A Orquestra da Universidade Federal do Piauí, sob a regência de Cássio Henrique Martins e preparação vocal de Deborah Moraes apresenta a comédia musical Véspera de Reis e o Glória da Missa No. 1 do compositor maranhense Francisco Libânio Colás (São Luís, 1830-Recife, 1885).
A apresentação destas obras faz parte das atividades do Núcleo de Pesquisa em Música (NUPEMUS), do Departamento de Música e Artes Visuais da Universidade Federal do Piauí, sob minha coordenação, e tendo como apoio o MCT/CNPq através do Edital Universal. Este núcleo de estudos propõe-se, em uma de suas linhas de pesquisa, o exame dos processos de criação musical a partir de um levantamento em acervos e coleções musicológicas, buscando sempre a revitalização de obras enquanto patrimônio cultural brasileiro.
O interesse por esta pesquisa foi motivado pela localização da obra Vésperas de Reis na Lapinha, representada pela primeira vez no Teatro São João da Bahia, em 15 de julho de 1875. Trata-se de uma comédia musical em um ato sobre texto do dramaturgo maranhense Arthur Azevedo, com a partitura musical composta por Libânio Colás. O manuscrito que tomei por base para a realização da edição musical é uma fotocópia existente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Música, datado de 1882, pertencente a P. da Silveira, cujo original até este momento não foi localizado.
Francisco Libânio Colás foi compositor, regente, violinista, trompetista, flautista e arranjador, nascido em São Luís do Maranhão, provavelmente no ano de 1830. Filho do empresário teatral, clarinetista e mestre de capela Francisco Antônio Colás, conhecido como Chico da Música, e de Jerônima Maria Colás. Teve como irmãos, também músicos, o “exímio trompetista” Carlos Antônio Colás, e o flautista e clarinetista Ezequiel Antônio Colás.
Em 1847, ainda na juventude, atuava em São Luís como profissional do “Cornet à piston” e como rabequista requisitado entre os profissionais da capital maranhense. João Mohana (1995) faz referência a este período como de grande atividade da família Colás na capital maranhense. Posteriormente, mudou-se para Recife, onde passou a atuar como regente do Clube Carlos Gomes e violinista de um conjunto de câmara, além de compositor de música para o teatro e música religiosa.
A Vésperas de Reis é uma comédia de costumes posta em música, ou teatro musicado, com o texto de autoria do teatrólogo maranhense Artur Azevedo, composta no ano de 1875 e escrita para solistas e orquestra, estruturada em um ato e seis cenas contrastantes e será apresentada com a montagem cênica completa (texto teatral, cenários e orquestração).
O manuscrito da Missa No. 1 está depositado no Acervo Jaime Diniz do Instituto Brennand do Recife e junto a ele, uma edição parcialmente realizada por Jaime Diniz em 1976. Realizei a reconstituição da obra tendo como base a edição original de Jaime Diniz, projeto editorial que tomei como ponto de partida para uma edição atualizada, e que será apresentada parcialmente neste concerto.
O concerto será realizado no dia 25 de novembro de 2010 às 19 horas no Cine Teatro da UFPI e na oportunidade serão lançados os livros que refletem esta pesquisa: “Músicas e Músicos em São Luís: subsídios para uma história da música no Maranhão” e “Texto e Contexto: a comédia musical Véspera de Reis de Francisco Libânio Colás”.
Vivenda Marathaoan, BR-343, Km 12
Povoado Lagoinha
Teresina - Piauí
Professor Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho
sábado, 23 de outubro de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Eu canto em qualquer lugar”. O Pagode de Amarante - Parte IV
O Pagode: a herança africana.
“Foi no começo do mundo.
Dança velha dos velhos antigos.
Não tinha esse negócio de agarrado não.
Tudo era Pagode”.
Tudo leva a crer que as danças e batuques tenham entrado no Piauí com os primeiros escravos trazidos pelos criadores para o trabalho em suas fazendas de gado. José Ramos Tinhorão, ao pesquisar o lundu - dança de origem negra - e sem citar especificamente o Piauí, faz uma referência à penetração desta dança pelo interior da Bahia, curiosamente, pela mesma rota utilizada pelos fazendeiros baianos quando da posse de terras e da implantação dos currais de gado no solo piauiense:
“... ao penetrar pelo interior da Bahia, (o lundu) seguindo o rio São Francisco na direção norte, lá chegou com o nome de baiano, transformado em baiana no Ceará, na segunda metade do século XIX” (TINHORÃO, 1988, p.62).
Câmara Cascudo também refere-se a esta dança como:
“Baiano ou baião. Dança sapateada, em que os personagens davam castanholas do começo ao fim... em vez da embigada atira-se com os dedos um estalo de castanholas na direção da pessoa escolhida” (CASCUDO, s.d., p.128).
É interessante observar que, semelhantemente ao baiano descrito por Câmara Cascudo, o Pagode em sua expressão coreográfica utiliza uma espécie de castanholas, denominada na região de gafanhoto, executada pelos dançarinos no momento da coreografia, que contribuem para pulsação rítmica e induzem a escolha ou recusa dos parceiros na dança.
Acreditamos que o Pagode (como diversas danças afro-brasileiras) teria se originado de velhas danças e batuques dos terreiros negro-brasileiros, que foram se modificando, incorporando novos elementos de acordo com as características regionais. Havia nomes genéricos capazes de caracterizar essas danças negras, como batuque, samba, lundu. A esse respeito, Muniz Sodré comenta:
“A rigor, todas essas danças faziam derivar a sua organização formal (incorporando, evidentemente, os elementos específicos de cada região) do samba ou batuque africano, trazido para o Brasil por escravos originários de Angola e Congo, principalmente” (SODRÉ, 1979, p.26).
Tinhorão, também, é da mesma opinião quando afirma que:
“...os batuques herdeiros das rodas de danças africanas originaram ainda uma série de danças que ficariam como expressões quase exclusivas de negros e mestiços do campo e das cidades do Brasil” (TINHORÃO, 1988, p.69).
Também, Édison Carneiro afirma que:
“... a presença das danças africanas no Brasil já supõe um demorado processo de aclimação, com a perda de alguns elementos e aquisição de outros, novos, sugeridos ou impostos pelo ambiente”. “Mudando de terra (da África para o Brasil) e de grupo social (dos escravos para a população em geral)...estas danças sofreram uma evolução desigual no país” (CARNEIRO, 1982, p.45).
Portanto, todo esse patrimônio cultural afro-descendente (festas, danças, e todo o complexo mítico-religioso) na tentativa de preservar uma memória cultural africana, iria manifestar-se em locais próprios, reconquistados, reterritorializados, os terreiros, em sua dupla dimensão: a dimensão religiosa, com as casas de candomblé, diretamente ligadas à cosmogonia africana; e a dimensão simbólica, o campo das dramatizações e festas nos espaços abertos ao lado das casas. Essa concepção de terreiro está voltada para o lugar de entrecruzamento de culturas distintas (negras, brancas, indígenas) e a incorporação de novos elementos que iriam favorecer as transformações culturais.
Como, então, conceituar o Pagode de Amarante? Primeiro, queremos fazer algumas considerações.
O Pagode de Amarante difere do pagode cantado e dançado na cidade do Rio de Janeiro, fenômeno cultural de massa explodiu, principalmente, no mercado do disco e da televisão na década de 80, estando atualmente em processo de revitalização pelo “mercado cultural”. Neste estudo não pretendemos traçar nenhum paralelo entre estas duas manifestações, apesar de reconhecermos nas formas e origem de ambas, a persistência de elementos característicos comuns: a utilização predominante de instrumentos de percussão; o recurso da improvisação, tanto do canto, como da coreografia na dança; a irreverência e a liberdade na construção temática das letras e, também, a prática no terreiro, o lugar aberto em frente às moradias. Também reconhecemos que ambas são sínteses culturais de origem processadas no seio de comunidades negras, com o “pagode carioca”, surgindo e se estruturando das rodas de samba e de partido-alto dos “redutos negros” do Rio de Janeiro. Comparativamente, os bairros da Saúde, Cidade Nova e Praça Onze estão para o samba e o pagode, assim como o vale dos rios Canindé e Mulato para o Pagode de Amarante: o lugar da aglutinação e da reordenação dos afro-descendentes oriundos do processo abolicionista.
Diversos pesquisadores da cultura popular brasileira fizeram referência ao termo pagode, alguns, como forma estruturalmente definida, outros, como significações genéricas de certas manifestações populares. Câmara Cascudo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro refere-se a pagode como: “Festa, reunião festiva e ruidosa, festa com comidas e bebidas, havendo ou não danças, festa sempre de caráter íntimo, comparecendo amigos, pagodeiros” (CASCUDO, s.d., p.659).
Cascudo conceitua genericamente o termo pagode, significando festa, reunião festiva bastante comum na área nordestina. Para Oneyda Alvarenga, samba e batuque tornaram-se designações genéricas de danças de rodas “acompanhadas por forte instrumental de percussão”. O termo samba teve o seu sentido ainda mais abrangente, “representando qualquer baile popular, equivalente a "função", "pagode", "forró", e outros mais”.
A propósito, Alvarenga (1982, p.152) acata a concepção de Cascudo, alargando mais o sentido do termo pagode, relacionando-o com samba, forró, etc. Ressalte-se que na região que pesquisamos, os termos forró, pagode e função possuem sentidos diferentes, como por exemplo, o forró sendo festa de ambiente privado, mesmo que numa pequena cobertura de palha denominada "latada". Função está mais relacionada ao desafio de violeiros, à disputa em versos previamente combinada, promovida e organizada por algum morador do bairro ou povoado rural. Pagode está sempre relacionado a festa ao ar livre, no terreiro. A diferenciação também passa pelas características intrínsecas das festividades - tipo de música, instrumentos musicais utilizados, dança, etc.
Em Folguedos Tradicionais, Édison Carneiro (1982) aproxima pagode ao samba, ao coco e ao partido-alto, demonstrando preferência pelo termo samba ou batuque (queremos crer, como samba herdeiro do batuque) para a designação mais genérica.
.
“Em toda esta vasta área (zona de plantio e mineração), angolenses e congueses legaram aos seus descendentes, formas de batuque ainda reconhecíveis, apesar de já misturadas com outras danças, populares ou não - formas que, primitivamente rurais, de execução nos terreiros das fazendas, estão atualmente em diferentes estágios de urbanização”.
É esse autor que vai propor três áreas distintas de classificação do samba, divididas de acordo com as denominações regionais, estando o Piauí incluído na zona do samba por influência do vizinho Maranhão.
Essa classificação de Carneiro reforça a hipótese do Pagode de Amarante ter vindo do Maranhão através do rio Parnaíba, penetrando na região piauiense e a partir daí, se alastrando pelo vale dos rios Canindé e Mulato, iniciando o processo de síntese e expansão cultural.
Alceu Maynard (1964, p.389-390) já falava de uma Roda-de-Pagode na região do Baixo-São Francisco:
“Atividade lúdica de adultos do Baixo-São Francisco por ocasião das festas de plenitude ou principalmente na pequena vacância agrícola de inverno [...] Ali todos cantam e a roda-de-pagode alagoana põe no corpo da gente uma vontade insopitável de dançar, bailar. Ela congraça os membros adultos da comunidade, caem as barreiras sociais, pobres e ricos, moradores das casas de tijolos e das choupanas de palha, de mãos dadas, alguns cantam ...”
Portanto, seguindo os estudos dos etnógrafos citados, chegamos à conclusão de que o termo pagode é bem genérico, sendo aplicado a diversas manifestações e cultuado em grande área brasileira, representando sempre uma festa popular com suas diferenças marcadas pela própria heterogeneidade regional, bem como pelos contatos com diferentes formas da cultura popular.
“Foi no começo do mundo.
Dança velha dos velhos antigos.
Não tinha esse negócio de agarrado não.
Tudo era Pagode”.
Tudo leva a crer que as danças e batuques tenham entrado no Piauí com os primeiros escravos trazidos pelos criadores para o trabalho em suas fazendas de gado. José Ramos Tinhorão, ao pesquisar o lundu - dança de origem negra - e sem citar especificamente o Piauí, faz uma referência à penetração desta dança pelo interior da Bahia, curiosamente, pela mesma rota utilizada pelos fazendeiros baianos quando da posse de terras e da implantação dos currais de gado no solo piauiense:
“... ao penetrar pelo interior da Bahia, (o lundu) seguindo o rio São Francisco na direção norte, lá chegou com o nome de baiano, transformado em baiana no Ceará, na segunda metade do século XIX” (TINHORÃO, 1988, p.62).
Câmara Cascudo também refere-se a esta dança como:
“Baiano ou baião. Dança sapateada, em que os personagens davam castanholas do começo ao fim... em vez da embigada atira-se com os dedos um estalo de castanholas na direção da pessoa escolhida” (CASCUDO, s.d., p.128).
É interessante observar que, semelhantemente ao baiano descrito por Câmara Cascudo, o Pagode em sua expressão coreográfica utiliza uma espécie de castanholas, denominada na região de gafanhoto, executada pelos dançarinos no momento da coreografia, que contribuem para pulsação rítmica e induzem a escolha ou recusa dos parceiros na dança.
Acreditamos que o Pagode (como diversas danças afro-brasileiras) teria se originado de velhas danças e batuques dos terreiros negro-brasileiros, que foram se modificando, incorporando novos elementos de acordo com as características regionais. Havia nomes genéricos capazes de caracterizar essas danças negras, como batuque, samba, lundu. A esse respeito, Muniz Sodré comenta:
“A rigor, todas essas danças faziam derivar a sua organização formal (incorporando, evidentemente, os elementos específicos de cada região) do samba ou batuque africano, trazido para o Brasil por escravos originários de Angola e Congo, principalmente” (SODRÉ, 1979, p.26).
Tinhorão, também, é da mesma opinião quando afirma que:
“...os batuques herdeiros das rodas de danças africanas originaram ainda uma série de danças que ficariam como expressões quase exclusivas de negros e mestiços do campo e das cidades do Brasil” (TINHORÃO, 1988, p.69).
Também, Édison Carneiro afirma que:
“... a presença das danças africanas no Brasil já supõe um demorado processo de aclimação, com a perda de alguns elementos e aquisição de outros, novos, sugeridos ou impostos pelo ambiente”. “Mudando de terra (da África para o Brasil) e de grupo social (dos escravos para a população em geral)...estas danças sofreram uma evolução desigual no país” (CARNEIRO, 1982, p.45).
Portanto, todo esse patrimônio cultural afro-descendente (festas, danças, e todo o complexo mítico-religioso) na tentativa de preservar uma memória cultural africana, iria manifestar-se em locais próprios, reconquistados, reterritorializados, os terreiros, em sua dupla dimensão: a dimensão religiosa, com as casas de candomblé, diretamente ligadas à cosmogonia africana; e a dimensão simbólica, o campo das dramatizações e festas nos espaços abertos ao lado das casas. Essa concepção de terreiro está voltada para o lugar de entrecruzamento de culturas distintas (negras, brancas, indígenas) e a incorporação de novos elementos que iriam favorecer as transformações culturais.
Como, então, conceituar o Pagode de Amarante? Primeiro, queremos fazer algumas considerações.
O Pagode de Amarante difere do pagode cantado e dançado na cidade do Rio de Janeiro, fenômeno cultural de massa explodiu, principalmente, no mercado do disco e da televisão na década de 80, estando atualmente em processo de revitalização pelo “mercado cultural”. Neste estudo não pretendemos traçar nenhum paralelo entre estas duas manifestações, apesar de reconhecermos nas formas e origem de ambas, a persistência de elementos característicos comuns: a utilização predominante de instrumentos de percussão; o recurso da improvisação, tanto do canto, como da coreografia na dança; a irreverência e a liberdade na construção temática das letras e, também, a prática no terreiro, o lugar aberto em frente às moradias. Também reconhecemos que ambas são sínteses culturais de origem processadas no seio de comunidades negras, com o “pagode carioca”, surgindo e se estruturando das rodas de samba e de partido-alto dos “redutos negros” do Rio de Janeiro. Comparativamente, os bairros da Saúde, Cidade Nova e Praça Onze estão para o samba e o pagode, assim como o vale dos rios Canindé e Mulato para o Pagode de Amarante: o lugar da aglutinação e da reordenação dos afro-descendentes oriundos do processo abolicionista.
Diversos pesquisadores da cultura popular brasileira fizeram referência ao termo pagode, alguns, como forma estruturalmente definida, outros, como significações genéricas de certas manifestações populares. Câmara Cascudo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro refere-se a pagode como: “Festa, reunião festiva e ruidosa, festa com comidas e bebidas, havendo ou não danças, festa sempre de caráter íntimo, comparecendo amigos, pagodeiros” (CASCUDO, s.d., p.659).
Cascudo conceitua genericamente o termo pagode, significando festa, reunião festiva bastante comum na área nordestina. Para Oneyda Alvarenga, samba e batuque tornaram-se designações genéricas de danças de rodas “acompanhadas por forte instrumental de percussão”. O termo samba teve o seu sentido ainda mais abrangente, “representando qualquer baile popular, equivalente a "função", "pagode", "forró", e outros mais”.
A propósito, Alvarenga (1982, p.152) acata a concepção de Cascudo, alargando mais o sentido do termo pagode, relacionando-o com samba, forró, etc. Ressalte-se que na região que pesquisamos, os termos forró, pagode e função possuem sentidos diferentes, como por exemplo, o forró sendo festa de ambiente privado, mesmo que numa pequena cobertura de palha denominada "latada". Função está mais relacionada ao desafio de violeiros, à disputa em versos previamente combinada, promovida e organizada por algum morador do bairro ou povoado rural. Pagode está sempre relacionado a festa ao ar livre, no terreiro. A diferenciação também passa pelas características intrínsecas das festividades - tipo de música, instrumentos musicais utilizados, dança, etc.
Em Folguedos Tradicionais, Édison Carneiro (1982) aproxima pagode ao samba, ao coco e ao partido-alto, demonstrando preferência pelo termo samba ou batuque (queremos crer, como samba herdeiro do batuque) para a designação mais genérica.
.
“Em toda esta vasta área (zona de plantio e mineração), angolenses e congueses legaram aos seus descendentes, formas de batuque ainda reconhecíveis, apesar de já misturadas com outras danças, populares ou não - formas que, primitivamente rurais, de execução nos terreiros das fazendas, estão atualmente em diferentes estágios de urbanização”.
É esse autor que vai propor três áreas distintas de classificação do samba, divididas de acordo com as denominações regionais, estando o Piauí incluído na zona do samba por influência do vizinho Maranhão.
Essa classificação de Carneiro reforça a hipótese do Pagode de Amarante ter vindo do Maranhão através do rio Parnaíba, penetrando na região piauiense e a partir daí, se alastrando pelo vale dos rios Canindé e Mulato, iniciando o processo de síntese e expansão cultural.
Alceu Maynard (1964, p.389-390) já falava de uma Roda-de-Pagode na região do Baixo-São Francisco:
“Atividade lúdica de adultos do Baixo-São Francisco por ocasião das festas de plenitude ou principalmente na pequena vacância agrícola de inverno [...] Ali todos cantam e a roda-de-pagode alagoana põe no corpo da gente uma vontade insopitável de dançar, bailar. Ela congraça os membros adultos da comunidade, caem as barreiras sociais, pobres e ricos, moradores das casas de tijolos e das choupanas de palha, de mãos dadas, alguns cantam ...”
Portanto, seguindo os estudos dos etnógrafos citados, chegamos à conclusão de que o termo pagode é bem genérico, sendo aplicado a diversas manifestações e cultuado em grande área brasileira, representando sempre uma festa popular com suas diferenças marcadas pela própria heterogeneidade regional, bem como pelos contatos com diferentes formas da cultura popular.
sábado, 29 de maio de 2010
O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte III
O “Negro do Mulato” ou o “Negro do Mimbó”. A redefinição dos espaços sócio-culturais
A ocorrência de comunidades quilombolas marca significativamente a região que pesquisamos. Locais como o Mimbó, o Canto dos Pretos, o Côco - demonstram a existência ou vestígios de núcleos populacionais negros, com um modus vivendi conservado ao longo do tempo. O já bastante difundido Mimbó, uma comunidade afro-descendente nas margens do rio Canindé, junto à foz do riacho Mimbó, no município de Amarante, já existia como núcleo de povoação estruturalmente no último decênio do século XIX, organizado em um complexo sistema de relações de parentesco em torno de dois clãs familiares, desenvolvendo uma produção agrícola singular baseada no cultivo de "vazantes" ribeirinhas e na criação de animais de pequeno porte.
Um fato que também marca o Mimbó é o seu importante ciclo de festas, atraindo as populações vizinhas. A forma religiosa tradicional é o “terekô”, diretamente ligado à ancestralidade cultural das práticas religiosas dos escravos africanos. O Pagode também está presente no Mimbó, onde é amplamente praticado, atuando como promovedor dos contatos dos mimboenses com a sociedade urbana de Amarante e cidades vizinhas. Estas expressões culturais, tanto a de cunho religioso como o Pagode, acabaram por favorecer esta proximidade, rompendo certas barreiras erguidas historicamente e ampliando as formas de relacionamento entre as diferentes camadas do corpo social.
Segundo Roger Bastide (1974), o surgimento de comunidades afro-descendentes no meio rural pode ser analisado sob alguns aspectos: “o que o volta para o seu passado perdido para fazer reviver, e o de sua necessária adaptação a um novo meio”. Parece óbvio que a única saída para a sobrevivência do homem negro foi isolar-se, inicialmente nos quilombos, para depois iniciar o processo de constituição de comunidades rurais, onde, através de atividades econômicas e sociais fosse reativando suas práticas culturais dispersas. Esse ambiente favoreceu a retomada desse patrimônio cultural ancestral e a sobrevivência como indivíduo ou grupo social. Mesmo com a dispersão pós-abolicionista foram desenvolvidas maneiras ou estratégias de identificar uma origem comum centrada nos valores, normas, práticas culturais comuns, tais como, organização social, religiosa, econômica e artística, iniciando um processo de reconstrução de uma identidade “física”, ligada aos aspectos da terra - o rio, a serra, etc. - constituindo, assim, uma nova entidade cultural e espiritual.
O desenvolvimento dessas formas paralelas de organização, os espaços quilombolas, foi uma forma alternativa de sobrevivência para o afro-descendente. Para Alfredo Bosi,
“A alternativa para o escravo não era, em princípio, a passagem para um regime assalariado, mas a fuga para os quilombos. Lei, trabalho e opressão são correlatos sob o escravismo colonial. Nos casos de alforria, que se tornam menos raros a partir do apogeu das minas, a alternativa para o escravo passou a ser ou a mera vida de subsistência como posseiro em sítios marginais, ou a condição subalterna de agregado que subsistiu ainda depois da abolição do cativeiro. De qualquer modo, ser negro livre era sempre sinônimo de dependência” (BOSI, 1992).
Essas comunidades típicas da zona rural permaneciam “fechadas” apenas em um modelo e uma prática alternativa da sociedade dominante. Existiam as interações, os contatos, principalmente, na comercialização dos produtos nos dias de "feira" e nos momentos de festa, onde a praça principal da cidade era, sem dúvida, o campo intermediador dessas diferenças. Nela, ou próximo a ela, ocorreriam as produções tanto a nível simbólico, quanto a nível material; as negociações, os acertos e, também, os confrontos. Portanto, o conceito “fechado” não convém traduzir-se por algo isolado, impenetrável. Esses núcleos possuem essa característica mais como um meio de defesa de um território conquistado, como estratégia de resistência frente a uma postura segregacionista - que positivava a separação sociocultural - adquirida historicamente pela população urbana com relação à população negra.
O “Negro do Mulato” ou o “Negro do Mimbó”. A redefinição dos espaços sócio-culturais
A ocorrência de comunidades quilombolas marca significativamente a região que pesquisamos. Locais como o Mimbó, o Canto dos Pretos, o Côco - demonstram a existência ou vestígios de núcleos populacionais negros, com um modus vivendi conservado ao longo do tempo. O já bastante difundido Mimbó, uma comunidade afro-descendente nas margens do rio Canindé, junto à foz do riacho Mimbó, no município de Amarante, já existia como núcleo de povoação estruturalmente no último decênio do século XIX, organizado em um complexo sistema de relações de parentesco em torno de dois clãs familiares, desenvolvendo uma produção agrícola singular baseada no cultivo de "vazantes" ribeirinhas e na criação de animais de pequeno porte.
Um fato que também marca o Mimbó é o seu importante ciclo de festas, atraindo as populações vizinhas. A forma religiosa tradicional é o “terekô”, diretamente ligado à ancestralidade cultural das práticas religiosas dos escravos africanos. O Pagode também está presente no Mimbó, onde é amplamente praticado, atuando como promovedor dos contatos dos mimboenses com a sociedade urbana de Amarante e cidades vizinhas. Estas expressões culturais, tanto a de cunho religioso como o Pagode, acabaram por favorecer esta proximidade, rompendo certas barreiras erguidas historicamente e ampliando as formas de relacionamento entre as diferentes camadas do corpo social.
Segundo Roger Bastide (1974), o surgimento de comunidades afro-descendentes no meio rural pode ser analisado sob alguns aspectos: “o que o volta para o seu passado perdido para fazer reviver, e o de sua necessária adaptação a um novo meio”. Parece óbvio que a única saída para a sobrevivência do homem negro foi isolar-se, inicialmente nos quilombos, para depois iniciar o processo de constituição de comunidades rurais, onde, através de atividades econômicas e sociais fosse reativando suas práticas culturais dispersas. Esse ambiente favoreceu a retomada desse patrimônio cultural ancestral e a sobrevivência como indivíduo ou grupo social. Mesmo com a dispersão pós-abolicionista foram desenvolvidas maneiras ou estratégias de identificar uma origem comum centrada nos valores, normas, práticas culturais comuns, tais como, organização social, religiosa, econômica e artística, iniciando um processo de reconstrução de uma identidade “física”, ligada aos aspectos da terra - o rio, a serra, etc. - constituindo, assim, uma nova entidade cultural e espiritual.
O desenvolvimento dessas formas paralelas de organização, os espaços quilombolas, foi uma forma alternativa de sobrevivência para o afro-descendente. Para Alfredo Bosi,
“A alternativa para o escravo não era, em princípio, a passagem para um regime assalariado, mas a fuga para os quilombos. Lei, trabalho e opressão são correlatos sob o escravismo colonial. Nos casos de alforria, que se tornam menos raros a partir do apogeu das minas, a alternativa para o escravo passou a ser ou a mera vida de subsistência como posseiro em sítios marginais, ou a condição subalterna de agregado que subsistiu ainda depois da abolição do cativeiro. De qualquer modo, ser negro livre era sempre sinônimo de dependência” (BOSI, 1992).
Essas comunidades típicas da zona rural permaneciam “fechadas” apenas em um modelo e uma prática alternativa da sociedade dominante. Existiam as interações, os contatos, principalmente, na comercialização dos produtos nos dias de "feira" e nos momentos de festa, onde a praça principal da cidade era, sem dúvida, o campo intermediador dessas diferenças. Nela, ou próximo a ela, ocorreriam as produções tanto a nível simbólico, quanto a nível material; as negociações, os acertos e, também, os confrontos. Portanto, o conceito “fechado” não convém traduzir-se por algo isolado, impenetrável. Esses núcleos possuem essa característica mais como um meio de defesa de um território conquistado, como estratégia de resistência frente a uma postura segregacionista - que positivava a separação sociocultural - adquirida historicamente pela população urbana com relação à população negra.
O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte II
Conquistando Espaços. A Formação dos Estratos Étnicos
A imigração para o Piauí teve como principal região fornecedora, em um primeiro momento, a zona produtora de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro. Esse movimento migratório foi causado, em parte, pela desvalorização do açúcar brasileiro como fonte exportadora no mercado internacional, ocasionada pelo crescimento e concorrência da produção antilhana. O desaquecimento da economia açucareira do litoral brasileiro, no século XVIII, recrudesceu o fluxo migratório para o interior em busca de novas alternativas de trabalho (MOTT,1985). Essas correntes migratórias foram atraídas para os "sertões de dentro" pelo crescente desenvolvimento da economia do gado, instalando-se na nova região e adequando-se ao novo modo de produção econômica.
Para a historiadora Tanya Brandão (1995), o “emprego do escravo no criatório piauiense ocorreu desde a implantação dos primeiros currais”, cuja função destinava-se à construção e manutenção da infra-estrutura das moradias, o lida no campo e o cultivo das roças.
Outro fator que iria favorecer a imigração para o Piauí seria a necessidade de mão-de-obra, dificultada pela resistência indígena à escravidão. É a partir daí que os novos fazendeiros piauienses iniciam, via Bahia, uma substancial introdução do negro africano nas fazendas estaduais (DIAS, 1996). Seriam, portanto, as últimas décadas do século XVII e as primeiras do século XVIII, que marcarão o início da imigração para o Piauí com pedidos de doação de terras, favorecendo, principalmente, as famílias baianas e maranhenses, oriundas de antigas zonas agrárias (MOTT,1985).
Estes primeiros colonizadores implantarão no solo piauiense o sistema de produção baseado na pecuária extensiva, ou seja, a criação de gado livre em extensos latifúndios que se tornaria a marca da economia regional. São esses núcleos produtivos que irão dar origem às primeiras povoações e atuais cidades, grande parte delas originadas de antigas fazendas, o que de certa forma demonstra, estruturalmente, a característica da formação social e econômica do Piauí: de um lado, os grandes proprietários de terra que constituem hoje as oligarquias estaduais; e do outro lado, a massa da população constituída de pequenos sitiantes, vaqueiros, escravos, índios, representando o grupo social dominado (DIAS, 1996).
Nestas fazendas de gado existiam dois tipos de mão-de-obra: o escravo, na grande maioria, africano, que a historiografia tradicional procura desvalorizar sua relação com a pecuária, preferindo associá-lo ao trabalho doméstico não produtivo; uma pequena parte índio; e o trabalhador livre - grupo formado por mulatos, caboclos, mestiços e índios (que, por sua vez, podiam ser escravos) (DIAS, 1996).
Alguns dados demográficos das fazendas piauienses demonstram que o trabalho escravo foi amplamente empregado nesta região. Um estudo realizado pela historiadora Claudete Miranda Dias (1996) afirma que, nos finais do século XVII, os escravos constituíam 70% da população total das fazendas. Também o historiador Luiz Mott (1985), referindo-se à população escrava do Piauí, afirma que: “Em 1762, constatamos que os escravos representavam 45,8% da população rural, estando presentes em 67,8% dos domicílios”. Numa comparação estatística com a população escrava do Brasil, nos finais do século XVIII eles “representavam aproximadamente 38,6% da população total do Império”, onde se conclui que a economia pecuarista do Piauí dependeu fundamentalmente do trabalho escravo, seja negro ou mestiço.
Os primeiros grupos de escravos chegados ao Piauí foram trazidos, no final do século XVII, pelos primeiros fazendeiros que vinham da região do rio São Francisco, com seus rebanhos. Mais tarde, foram introduzidos em maior número para o fornecimento de mão-de-obra às "Fazendas Nacionais", de propriedade de Domingos Afonso Sertão e também às fazendas dos Garcia D'Ávila, proprietários da "Casa da Torre", da Bahia (CHAVES, 1971).
Outros escravos foram introduzidos no Piauí pela estrada que ligava a capital da Província - Vila do Mocha, hoje Oeiras - ao principal núcleo mercantil consumidor da pecuária piauiense, a feira de Capoame, na Bahia.
Uma historiadora detalha a origem dos negros do Piauí Colonial:
“... entre os africanos, tantos bantos como sudaneses foram trazidos para o Piauí. Relativamente às nações de origem, predominavam os procedentes de Angola, 56,68%, seguidos pelos Minas, 13,17%, Benguelas, com 9,57%, Guiné, 9,36%, Congos, 9,36% e Gêge, 2,43%. Havia ainda entre os Moçambiques, Rebolos e Cassangues, com um percentual de 0,97% cada. Evidentemente, foram computados apenas os indivíduos para os quais constou explicitamente a nação de origem” (BRANDÃO, 1984).
Deve-se levar em consideração, também, a diversidade cultural e étnica das populações africanas que vieram para o Brasil, decorrente da divisão geopolítica da África realizada sob a lógica dos colonizadores, com reflexos ainda hoje no continente africano. É evidente que estes problemas refletiram substancialmente na escravidão no Brasil - Colônia.
A Abolição da Escravatura irá ocasionar uma mudança no quadro social e econômico brasileiro. Liberto o cativo, alguns deixaram o meio rural buscando um novo contato com a cidade, convertendo-se em mão-de-obra disponível; outros, permaneceram “flutuando entre o campo e a cidade” sem conseguir uma imediata adequação à nova situação. Outros mais, permaneceram no campo, caracterizando-se pela dificuldade de vida auto-suficiente no meio rural - dificuldades de condições materiais, a falta de títulos de propriedade e de incentivos agrícolas. Estes problemas impulsionaram o movimento em direção ao núcleo urbano, ainda em processo inicial de industrialização, que não conseguiu absorver esse excedente de mão-de-obra, excluindo os afro-descendentes das instituições urbanas e provocando uma segregação socioeconômica. Alijado do florescente mercado urbano, a alternativa foi sobreviver em atividades consideradas “inferiores” e até “marginais” neste novo quadro social. Segregação, também, cultural, na qual os costumes, as tradições, os padrões de comportamentos, bem como a religião dos afro-descendentes, foram considerados como manifestações da “cultura primitiva”, da barbárie, sendo, portanto, inferiores aos valores da sociedade branca.
Esta segregação social, econômica e cultural irá refletir na organização dos espaços sociais brasileiros. O negro, oriundo da escravidão, para o discurso dominante, o afro-descendente será um “empecilho ideológico à modernização” (SODRÉ,1988), ao controle higiênico e saneamento urbano, devendo ser afastado do “território civilizado”. A estratégia foi a criação de espaços fora do controle das classes dirigentes, onde práticas comunitárias e alternativas puderam ser desenvolvidas. Nas grandes cidades brasileiras irão surgir os “morros” e “favelas” e os bairros de periferia; nas pequenas cidades do interior, surgirão os povoados e comunidades rurais.
Conquistando Espaços. A Formação dos Estratos Étnicos
A imigração para o Piauí teve como principal região fornecedora, em um primeiro momento, a zona produtora de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro. Esse movimento migratório foi causado, em parte, pela desvalorização do açúcar brasileiro como fonte exportadora no mercado internacional, ocasionada pelo crescimento e concorrência da produção antilhana. O desaquecimento da economia açucareira do litoral brasileiro, no século XVIII, recrudesceu o fluxo migratório para o interior em busca de novas alternativas de trabalho (MOTT,1985). Essas correntes migratórias foram atraídas para os "sertões de dentro" pelo crescente desenvolvimento da economia do gado, instalando-se na nova região e adequando-se ao novo modo de produção econômica.
Para a historiadora Tanya Brandão (1995), o “emprego do escravo no criatório piauiense ocorreu desde a implantação dos primeiros currais”, cuja função destinava-se à construção e manutenção da infra-estrutura das moradias, o lida no campo e o cultivo das roças.
Outro fator que iria favorecer a imigração para o Piauí seria a necessidade de mão-de-obra, dificultada pela resistência indígena à escravidão. É a partir daí que os novos fazendeiros piauienses iniciam, via Bahia, uma substancial introdução do negro africano nas fazendas estaduais (DIAS, 1996). Seriam, portanto, as últimas décadas do século XVII e as primeiras do século XVIII, que marcarão o início da imigração para o Piauí com pedidos de doação de terras, favorecendo, principalmente, as famílias baianas e maranhenses, oriundas de antigas zonas agrárias (MOTT,1985).
Estes primeiros colonizadores implantarão no solo piauiense o sistema de produção baseado na pecuária extensiva, ou seja, a criação de gado livre em extensos latifúndios que se tornaria a marca da economia regional. São esses núcleos produtivos que irão dar origem às primeiras povoações e atuais cidades, grande parte delas originadas de antigas fazendas, o que de certa forma demonstra, estruturalmente, a característica da formação social e econômica do Piauí: de um lado, os grandes proprietários de terra que constituem hoje as oligarquias estaduais; e do outro lado, a massa da população constituída de pequenos sitiantes, vaqueiros, escravos, índios, representando o grupo social dominado (DIAS, 1996).
Nestas fazendas de gado existiam dois tipos de mão-de-obra: o escravo, na grande maioria, africano, que a historiografia tradicional procura desvalorizar sua relação com a pecuária, preferindo associá-lo ao trabalho doméstico não produtivo; uma pequena parte índio; e o trabalhador livre - grupo formado por mulatos, caboclos, mestiços e índios (que, por sua vez, podiam ser escravos) (DIAS, 1996).
Alguns dados demográficos das fazendas piauienses demonstram que o trabalho escravo foi amplamente empregado nesta região. Um estudo realizado pela historiadora Claudete Miranda Dias (1996) afirma que, nos finais do século XVII, os escravos constituíam 70% da população total das fazendas. Também o historiador Luiz Mott (1985), referindo-se à população escrava do Piauí, afirma que: “Em 1762, constatamos que os escravos representavam 45,8% da população rural, estando presentes em 67,8% dos domicílios”. Numa comparação estatística com a população escrava do Brasil, nos finais do século XVIII eles “representavam aproximadamente 38,6% da população total do Império”, onde se conclui que a economia pecuarista do Piauí dependeu fundamentalmente do trabalho escravo, seja negro ou mestiço.
Os primeiros grupos de escravos chegados ao Piauí foram trazidos, no final do século XVII, pelos primeiros fazendeiros que vinham da região do rio São Francisco, com seus rebanhos. Mais tarde, foram introduzidos em maior número para o fornecimento de mão-de-obra às "Fazendas Nacionais", de propriedade de Domingos Afonso Sertão e também às fazendas dos Garcia D'Ávila, proprietários da "Casa da Torre", da Bahia (CHAVES, 1971).
Outros escravos foram introduzidos no Piauí pela estrada que ligava a capital da Província - Vila do Mocha, hoje Oeiras - ao principal núcleo mercantil consumidor da pecuária piauiense, a feira de Capoame, na Bahia.
Uma historiadora detalha a origem dos negros do Piauí Colonial:
“... entre os africanos, tantos bantos como sudaneses foram trazidos para o Piauí. Relativamente às nações de origem, predominavam os procedentes de Angola, 56,68%, seguidos pelos Minas, 13,17%, Benguelas, com 9,57%, Guiné, 9,36%, Congos, 9,36% e Gêge, 2,43%. Havia ainda entre os Moçambiques, Rebolos e Cassangues, com um percentual de 0,97% cada. Evidentemente, foram computados apenas os indivíduos para os quais constou explicitamente a nação de origem” (BRANDÃO, 1984).
Deve-se levar em consideração, também, a diversidade cultural e étnica das populações africanas que vieram para o Brasil, decorrente da divisão geopolítica da África realizada sob a lógica dos colonizadores, com reflexos ainda hoje no continente africano. É evidente que estes problemas refletiram substancialmente na escravidão no Brasil - Colônia.
A Abolição da Escravatura irá ocasionar uma mudança no quadro social e econômico brasileiro. Liberto o cativo, alguns deixaram o meio rural buscando um novo contato com a cidade, convertendo-se em mão-de-obra disponível; outros, permaneceram “flutuando entre o campo e a cidade” sem conseguir uma imediata adequação à nova situação. Outros mais, permaneceram no campo, caracterizando-se pela dificuldade de vida auto-suficiente no meio rural - dificuldades de condições materiais, a falta de títulos de propriedade e de incentivos agrícolas. Estes problemas impulsionaram o movimento em direção ao núcleo urbano, ainda em processo inicial de industrialização, que não conseguiu absorver esse excedente de mão-de-obra, excluindo os afro-descendentes das instituições urbanas e provocando uma segregação socioeconômica. Alijado do florescente mercado urbano, a alternativa foi sobreviver em atividades consideradas “inferiores” e até “marginais” neste novo quadro social. Segregação, também, cultural, na qual os costumes, as tradições, os padrões de comportamentos, bem como a religião dos afro-descendentes, foram considerados como manifestações da “cultura primitiva”, da barbárie, sendo, portanto, inferiores aos valores da sociedade branca.
Esta segregação social, econômica e cultural irá refletir na organização dos espaços sociais brasileiros. O negro, oriundo da escravidão, para o discurso dominante, o afro-descendente será um “empecilho ideológico à modernização” (SODRÉ,1988), ao controle higiênico e saneamento urbano, devendo ser afastado do “território civilizado”. A estratégia foi a criação de espaços fora do controle das classes dirigentes, onde práticas comunitárias e alternativas puderam ser desenvolvidas. Nas grandes cidades brasileiras irão surgir os “morros” e “favelas” e os bairros de periferia; nas pequenas cidades do interior, surgirão os povoados e comunidades rurais.
O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte I
Prof. Dr. João Berchmans Carvalho
Introdução
Este estudo é sobre uma forma de expressão cultural, um fenômeno de criação musical, prática instrumental, canto e dança, denominado na região do Médio-Parnaíba piauiense de pagode. Realizado pela população afro-descendente como forma de cultura negro-brasileira, o pagode é importante como patrimônio da cultura piauiense e como via de afirmação étnica e cultural dessa parcela da população social e economicamente marginalizada.
O termo pagode é aplicado a diversas manifestações da cultura popular brasileira, mais especificamente às formas de batuque e samba presentes nas reuniões festivas onde é predominante a utilização de conjunto instrumental de percussão. Está intimamente ligado à prática musical das populações afro-descendentes, sobretudo dos morros e favelas do Estado do Rio de Janeiro, onde, historicamente, aglutinaram-se em comunidades os remanescentes do processo abolicionista, marginalizados do contexto urbano-industrial no início do século XX (SODRÉ,1979; 1988;MOURA, 1983; TINHORÃO,1988; PRIORE, 1994).
Especificamente com relação ao Piauí, o pagode representa uma forma de batuque com danças e cantos, inserido e mais significativamente presente na região que compreende os vales dos rios Canindé e Mulato e suas confluências com o rio Parnaíba. Nesses espaços - “em locais denominados de terreiros” - é que se faz a festa do pagode, um patrimônio cultural - patrimônio aqui compreendido como resgate de uma memória coletiva, de uma ordem cultural comum a um grupo - revivido na força dos tambores “surrados” à mão, na presença sensual da rítmica sincopada expressa nos meneios e nos roçados dos corpos na dança, nos cantos “tirados” de improviso, afirmando-se como território de transmissão e preservação de uma forma cultural ancestral.
Através de um levantamento bibliográfico no campo da etnografia musical brasileira, constatamos que diversos autores fazem referências ao pagode, a maioria deles, atribuindo-lhe significações genéricas, associando-o a manifestações festivas populares (ALVARENGA, 1982; CARNEIRO, 1982; MAYNARD, 1964). Uns, relacionam o pagode à festa ou reunião festiva de caráter íntimo; outros, o designam como um dos tipos de danças de roda “acompanhadas de forte instrumental de percussão”, e ainda outros, aproximam-no do samba, do coco e do partido-alto, sendo forma herdada dos batuques realizados pelos escravos originários de Angola e do Congo e praticados nos terreiros das fazendas coloniais, estando atualmente em processo de urbanização.
Acreditamos, então, que o estudo dessa manifestação possa ser útil para nos clarificar sobre as formas culturais ainda existentes como remanescentes de um passado marginalizado, fornecendo elementos para a compreensão da cultura afro-descendente no geral e de uma parcela das formas de expressão piauienses, em particular.
Prof. Dr. João Berchmans Carvalho
Introdução
Este estudo é sobre uma forma de expressão cultural, um fenômeno de criação musical, prática instrumental, canto e dança, denominado na região do Médio-Parnaíba piauiense de pagode. Realizado pela população afro-descendente como forma de cultura negro-brasileira, o pagode é importante como patrimônio da cultura piauiense e como via de afirmação étnica e cultural dessa parcela da população social e economicamente marginalizada.
O termo pagode é aplicado a diversas manifestações da cultura popular brasileira, mais especificamente às formas de batuque e samba presentes nas reuniões festivas onde é predominante a utilização de conjunto instrumental de percussão. Está intimamente ligado à prática musical das populações afro-descendentes, sobretudo dos morros e favelas do Estado do Rio de Janeiro, onde, historicamente, aglutinaram-se em comunidades os remanescentes do processo abolicionista, marginalizados do contexto urbano-industrial no início do século XX (SODRÉ,1979; 1988;MOURA, 1983; TINHORÃO,1988; PRIORE, 1994).
Especificamente com relação ao Piauí, o pagode representa uma forma de batuque com danças e cantos, inserido e mais significativamente presente na região que compreende os vales dos rios Canindé e Mulato e suas confluências com o rio Parnaíba. Nesses espaços - “em locais denominados de terreiros” - é que se faz a festa do pagode, um patrimônio cultural - patrimônio aqui compreendido como resgate de uma memória coletiva, de uma ordem cultural comum a um grupo - revivido na força dos tambores “surrados” à mão, na presença sensual da rítmica sincopada expressa nos meneios e nos roçados dos corpos na dança, nos cantos “tirados” de improviso, afirmando-se como território de transmissão e preservação de uma forma cultural ancestral.
Através de um levantamento bibliográfico no campo da etnografia musical brasileira, constatamos que diversos autores fazem referências ao pagode, a maioria deles, atribuindo-lhe significações genéricas, associando-o a manifestações festivas populares (ALVARENGA, 1982; CARNEIRO, 1982; MAYNARD, 1964). Uns, relacionam o pagode à festa ou reunião festiva de caráter íntimo; outros, o designam como um dos tipos de danças de roda “acompanhadas de forte instrumental de percussão”, e ainda outros, aproximam-no do samba, do coco e do partido-alto, sendo forma herdada dos batuques realizados pelos escravos originários de Angola e do Congo e praticados nos terreiros das fazendas coloniais, estando atualmente em processo de urbanização.
Acreditamos, então, que o estudo dessa manifestação possa ser útil para nos clarificar sobre as formas culturais ainda existentes como remanescentes de um passado marginalizado, fornecendo elementos para a compreensão da cultura afro-descendente no geral e de uma parcela das formas de expressão piauienses, em particular.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Acervo Padre Jaime Diniz: início de um trabalho de reestruturação músicológica.
O convite da Coordenadora da Biblioteca de Obras Raras do Instituto Ricardo Brennand para uma consultoria musicológica ao Acervo Padre Jaime Diniz, além de me tocar de maneira afetiva, pois me fez reviver velhas lembranças do mestre amigo, colocou-me a oportunidade de discutir com a equipe do IRB aquilo que eu considero de mais fundamental em um arquivo desta natureza: a possibilidade de colocar à disposição de estudiosos de música, um conjunto de informações sobre a prática musical de um período e de uma região como testemunho de um momento cultural e histórico.
Ao iniciamos o exame do catálogo de manuscritos do musicólogo Jaime Diniz partimos com a idéia de subsidiarmos informações complementares à catalogação realizada pela equipe do Instituto Ricardo Brennand. Estas informações são pertinentes às exigências da pesquisa musicológica, tais como, época, gênero, contexto cultural, caracterização das partes instrumentais, dentre outras. Evidentemente que se trata de um trabalho que extrapola a minha rápida passagem pelo velho Recife. Entretanto, aceitei o desafio de iniciarmos um exame preliminar do material para, posteriormente, montarmos um projeto que viabilizasse institucionalmente este objetivo. Como já coordeno um grupo de pesquisa em música na Universidade Federal do Piauí, o NUPEMUS, poderia utilizá-lo como base de apoio a este projeto através de uma parceria interinstitucional.
Como diretriz resolvemos trabalhar neste primeiro momento composições exclusivamente de autores brasileiros e de feitio orquestral e coral. Esta tomada de decisão justifica-se pelo interesse mais emergente de obras de maior porte voltadas para a produção musical nordestina. Entretanto, constatamos um repertório significativo dos chamados grandes mestres do passado musical. Compositores dos períodos barroco, clássico e romântico estão presentes no arquivo acredito pelo importante papel de educador musical que o Padre Jaime exercia e com certeza estes documentos foram guardados com o mesmo zelo e apreço que dedicava ao material autóctone.
Os resultados começam a aparecer. Nos primeiros dias trabalhamos a letra “A” do catálogo, organizando algumas missas, partes de missas, um Te Deum, um Tantum Ergo, um Gloria de Damião Barbosa de Araújo e uma Ladainha, algumas reproduções de transcrições de Curt Lange e diversas obras de autor desconhecido, todas elas para solistas, coro e orquestra. Algumas destas obras possuíam partes incompletas em que os fólios foram armazenados em pastas de outras obras. Com muita calma e paciência remontamos o quebra-cabeça musical conseguindo dar unidade musicológica às obras. Cada pasta possui agora uma nova catalogação anexa: uma ficha de informações musicológicas, com dados sobre a instrumentação das peças, datas, autor, copista, que venha a facilitar e enriquecer a consulta.
Alguns manuscritos, pela situação de risco em que se encontram (fragilidade do papel, a queima da tinta pelo armazenamento sobreposto dos fólios dentre outros problemas), serão digitalizados possibilitando um manuseio sem intervenção no original.
Portanto, é um trabalho que ao iniciar já se prenuncia proveitoso. Mais um acervo que pode possibilitar a recuperação de uma parte de nossa memória musical: um legado para a musicologia histórica de Pernambuco e do Brasil.
Sítio Lagoinha, município de Paulista, PB, 18 de fevereiro de 2010
Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho
O convite da Coordenadora da Biblioteca de Obras Raras do Instituto Ricardo Brennand para uma consultoria musicológica ao Acervo Padre Jaime Diniz, além de me tocar de maneira afetiva, pois me fez reviver velhas lembranças do mestre amigo, colocou-me a oportunidade de discutir com a equipe do IRB aquilo que eu considero de mais fundamental em um arquivo desta natureza: a possibilidade de colocar à disposição de estudiosos de música, um conjunto de informações sobre a prática musical de um período e de uma região como testemunho de um momento cultural e histórico.
Ao iniciamos o exame do catálogo de manuscritos do musicólogo Jaime Diniz partimos com a idéia de subsidiarmos informações complementares à catalogação realizada pela equipe do Instituto Ricardo Brennand. Estas informações são pertinentes às exigências da pesquisa musicológica, tais como, época, gênero, contexto cultural, caracterização das partes instrumentais, dentre outras. Evidentemente que se trata de um trabalho que extrapola a minha rápida passagem pelo velho Recife. Entretanto, aceitei o desafio de iniciarmos um exame preliminar do material para, posteriormente, montarmos um projeto que viabilizasse institucionalmente este objetivo. Como já coordeno um grupo de pesquisa em música na Universidade Federal do Piauí, o NUPEMUS, poderia utilizá-lo como base de apoio a este projeto através de uma parceria interinstitucional.
Como diretriz resolvemos trabalhar neste primeiro momento composições exclusivamente de autores brasileiros e de feitio orquestral e coral. Esta tomada de decisão justifica-se pelo interesse mais emergente de obras de maior porte voltadas para a produção musical nordestina. Entretanto, constatamos um repertório significativo dos chamados grandes mestres do passado musical. Compositores dos períodos barroco, clássico e romântico estão presentes no arquivo acredito pelo importante papel de educador musical que o Padre Jaime exercia e com certeza estes documentos foram guardados com o mesmo zelo e apreço que dedicava ao material autóctone.
Os resultados começam a aparecer. Nos primeiros dias trabalhamos a letra “A” do catálogo, organizando algumas missas, partes de missas, um Te Deum, um Tantum Ergo, um Gloria de Damião Barbosa de Araújo e uma Ladainha, algumas reproduções de transcrições de Curt Lange e diversas obras de autor desconhecido, todas elas para solistas, coro e orquestra. Algumas destas obras possuíam partes incompletas em que os fólios foram armazenados em pastas de outras obras. Com muita calma e paciência remontamos o quebra-cabeça musical conseguindo dar unidade musicológica às obras. Cada pasta possui agora uma nova catalogação anexa: uma ficha de informações musicológicas, com dados sobre a instrumentação das peças, datas, autor, copista, que venha a facilitar e enriquecer a consulta.
Alguns manuscritos, pela situação de risco em que se encontram (fragilidade do papel, a queima da tinta pelo armazenamento sobreposto dos fólios dentre outros problemas), serão digitalizados possibilitando um manuseio sem intervenção no original.
Portanto, é um trabalho que ao iniciar já se prenuncia proveitoso. Mais um acervo que pode possibilitar a recuperação de uma parte de nossa memória musical: um legado para a musicologia histórica de Pernambuco e do Brasil.
Sítio Lagoinha, município de Paulista, PB, 18 de fevereiro de 2010
Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Instituto Ricardo Brennand organiza Acervo Pe. Jaime Diniz
De passagem pelo Recife fui fazer uma visita ao Instituto Ricardo Brennand, um museu com um rico acervo de peças medievais e renascentistas, de arte sacra e de uma importante coleção de obras do pintor neerlandês Franz Post (1612-1680). O museu foi montado em um castelo de estilo medieval encravado no velho bairro da Várzea, antigo Engenho de São João da Várzea, cuja origem remonta aos engenhos de açúcar que em abundância se multiplicaram nesta região.
Eu tinha uma ligeira informação de que o Instituto tinha adquirido o acervo musicológico do professor, musicólogo e regente pernambucano Padre Jaime Cavalcante Diniz (1924-1989), um precursor da musicologia do Nordeste brasileiro e meu querido professor de História da Música e Canto Coral na Universidade Federal de Pernambuco. Padre Jaime, como o chamávamos, foi o responsável direto por despertar meu interesse pela musicologia desde o momento em que preparávamos junto ao Coro Guararapes do Recife, o Memento Baiano do compositor baiano Damião Barbosa de Araújo (Ilha de Itaparica, BA, 1778-1856) e uma Missa do compositor maranhense Francisco Libânio Colás (São Luís, 1830-Recife, 1885) para uma apresentação no Teatro Santa Isabel com a Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Com certeza fui tocado pela bela música destes mestres e com certeza esses dois episódios foram decisivos em minha trajetória de dedicação à musicologia histórica brasileira. E isso se deve muito ao Padre Jaime com sua insistência pelo desenvolvimento da pesquisa musical nesta região, algo que ele comentava com certa acidez: “Vivo distante do sul maravilha (e faço muito bem), onde os do norte não têm vez, a não ser que seja gênio, ou se faça de”. (carta a Antônio Bispo).
Posteriormente o reencontrei, em 1988, no Encontro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. Tivemos uma longa conversa ladeada pelo também eminente e saudoso musicólogo José Maria Neves, meu orientador no mestrado e examinador em minha qualificação de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O certo é o que os dois se encontram hoje distantes de nós, mas bem próximos através das muitas tarefas musicológicas que realizaram e algumas que, inadvertidamente, deixaram para que nós a continuássemos. É o ciclo da vida.
Mas voltemos ao Instituto Brennand e o Acervo Padre Jaime C. Diniz. Como afirmei anteriormente, tinha vagas informações acerca deste acervo e uma delas alertava para a impossibilidade de consulta, tendo em vista que este monumento musicológico passaria a ter um destino mais museológico. Como sou desconfiado por natureza, resolvi colher informações. Para minha grata surpresa, ao confessar que tinha sido aluno do Padre Jaime minha intromissão não só foi autorizada pela Coordenadora da Biblioteca, Sra. Aruza Holanda e a bibliotecária Eglantine, como passei duas longas horas conversando sobre o Padre Jaime e manuseando as fichas catalográficas do acervo. Aliás, ressalte-se a qualidade e correção da biblioteca de obras raras do Instituto, que além das condições adequadas de armazenamento e da beleza do lugar, nos transporta através do tempo nos fazendo sentir em um verdadeiro scriptorium: a sala de cópia dos mosteiros medievais.
Na verdade, nos dedicamos mais detalhadamente ao exame de uma obra que logo despertou minha atenção: o Te Deum do Espírito Santo, para três vozes masculinas e orquestra, do velho compositor tão querido do Padre Jaime, Francisco Libânio Colás. Trata-se de um manuscrito em boas condições de preservação e que a um primeiro exame, parece ser autógrafo. Se pudermos comprovar isso em um futuro próximo, teremos neste acervo a única obra autógrafa de Libânio Colás até então encontrada. O curioso é que desconheço qualquer citação do Padre Jaime a esta obra, sobretudo quando ele sempre deixou transparecer uma franca admiração por este compositor, que pode ser dimensionada por sua infatigável busca pela Missa Pernambuco e sua edição da Marcha Fúnebre pelo Coro Guararapes, acompanhada de um esboço biográfico do compositor.
O Te Deum do Espírito Santo é escrito para três vozes masculinas (1º. e 2º. Tenores e baixo) e orquestra (ottavino, flauta, clarinetas, pistons, trompas, 1º., 2º. e 3º. Trombones, oficleide, 1os. e 2os. violinos, violas, violoncelos e contrabaixos).
Portanto, o Acervo Padre Jaime Diniz, através do Instituto Ricardo Brennand encontra-se em fase de organização para possibilitar a consulta aos pesquisadores interessados em mais um conjunto musicológico importante para a memória musical brasileira.
Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho
Recife, 07 de fevereiro de 2010
De passagem pelo Recife fui fazer uma visita ao Instituto Ricardo Brennand, um museu com um rico acervo de peças medievais e renascentistas, de arte sacra e de uma importante coleção de obras do pintor neerlandês Franz Post (1612-1680). O museu foi montado em um castelo de estilo medieval encravado no velho bairro da Várzea, antigo Engenho de São João da Várzea, cuja origem remonta aos engenhos de açúcar que em abundância se multiplicaram nesta região.
Eu tinha uma ligeira informação de que o Instituto tinha adquirido o acervo musicológico do professor, musicólogo e regente pernambucano Padre Jaime Cavalcante Diniz (1924-1989), um precursor da musicologia do Nordeste brasileiro e meu querido professor de História da Música e Canto Coral na Universidade Federal de Pernambuco. Padre Jaime, como o chamávamos, foi o responsável direto por despertar meu interesse pela musicologia desde o momento em que preparávamos junto ao Coro Guararapes do Recife, o Memento Baiano do compositor baiano Damião Barbosa de Araújo (Ilha de Itaparica, BA, 1778-1856) e uma Missa do compositor maranhense Francisco Libânio Colás (São Luís, 1830-Recife, 1885) para uma apresentação no Teatro Santa Isabel com a Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Com certeza fui tocado pela bela música destes mestres e com certeza esses dois episódios foram decisivos em minha trajetória de dedicação à musicologia histórica brasileira. E isso se deve muito ao Padre Jaime com sua insistência pelo desenvolvimento da pesquisa musical nesta região, algo que ele comentava com certa acidez: “Vivo distante do sul maravilha (e faço muito bem), onde os do norte não têm vez, a não ser que seja gênio, ou se faça de”. (carta a Antônio Bispo).
Posteriormente o reencontrei, em 1988, no Encontro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. Tivemos uma longa conversa ladeada pelo também eminente e saudoso musicólogo José Maria Neves, meu orientador no mestrado e examinador em minha qualificação de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O certo é o que os dois se encontram hoje distantes de nós, mas bem próximos através das muitas tarefas musicológicas que realizaram e algumas que, inadvertidamente, deixaram para que nós a continuássemos. É o ciclo da vida.
Mas voltemos ao Instituto Brennand e o Acervo Padre Jaime C. Diniz. Como afirmei anteriormente, tinha vagas informações acerca deste acervo e uma delas alertava para a impossibilidade de consulta, tendo em vista que este monumento musicológico passaria a ter um destino mais museológico. Como sou desconfiado por natureza, resolvi colher informações. Para minha grata surpresa, ao confessar que tinha sido aluno do Padre Jaime minha intromissão não só foi autorizada pela Coordenadora da Biblioteca, Sra. Aruza Holanda e a bibliotecária Eglantine, como passei duas longas horas conversando sobre o Padre Jaime e manuseando as fichas catalográficas do acervo. Aliás, ressalte-se a qualidade e correção da biblioteca de obras raras do Instituto, que além das condições adequadas de armazenamento e da beleza do lugar, nos transporta através do tempo nos fazendo sentir em um verdadeiro scriptorium: a sala de cópia dos mosteiros medievais.
Na verdade, nos dedicamos mais detalhadamente ao exame de uma obra que logo despertou minha atenção: o Te Deum do Espírito Santo, para três vozes masculinas e orquestra, do velho compositor tão querido do Padre Jaime, Francisco Libânio Colás. Trata-se de um manuscrito em boas condições de preservação e que a um primeiro exame, parece ser autógrafo. Se pudermos comprovar isso em um futuro próximo, teremos neste acervo a única obra autógrafa de Libânio Colás até então encontrada. O curioso é que desconheço qualquer citação do Padre Jaime a esta obra, sobretudo quando ele sempre deixou transparecer uma franca admiração por este compositor, que pode ser dimensionada por sua infatigável busca pela Missa Pernambuco e sua edição da Marcha Fúnebre pelo Coro Guararapes, acompanhada de um esboço biográfico do compositor.
O Te Deum do Espírito Santo é escrito para três vozes masculinas (1º. e 2º. Tenores e baixo) e orquestra (ottavino, flauta, clarinetas, pistons, trompas, 1º., 2º. e 3º. Trombones, oficleide, 1os. e 2os. violinos, violas, violoncelos e contrabaixos).
Portanto, o Acervo Padre Jaime Diniz, através do Instituto Ricardo Brennand encontra-se em fase de organização para possibilitar a consulta aos pesquisadores interessados em mais um conjunto musicológico importante para a memória musical brasileira.
Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho
Recife, 07 de fevereiro de 2010
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