domingo, 21 de fevereiro de 2010

Acervo Padre Jaime Diniz: início de um trabalho de reestruturação músicológica.

O convite da Coordenadora da Biblioteca de Obras Raras do Instituto Ricardo Brennand para uma consultoria musicológica ao Acervo Padre Jaime Diniz, além de me tocar de maneira afetiva, pois me fez reviver velhas lembranças do mestre amigo, colocou-me a oportunidade de discutir com a equipe do IRB aquilo que eu considero de mais fundamental em um arquivo desta natureza: a possibilidade de colocar à disposição de estudiosos de música, um conjunto de informações sobre a prática musical de um período e de uma região como testemunho de um momento cultural e histórico.
Ao iniciamos o exame do catálogo de manuscritos do musicólogo Jaime Diniz partimos com a idéia de subsidiarmos informações complementares à catalogação realizada pela equipe do Instituto Ricardo Brennand. Estas informações são pertinentes às exigências da pesquisa musicológica, tais como, época, gênero, contexto cultural, caracterização das partes instrumentais, dentre outras. Evidentemente que se trata de um trabalho que extrapola a minha rápida passagem pelo velho Recife. Entretanto, aceitei o desafio de iniciarmos um exame preliminar do material para, posteriormente, montarmos um projeto que viabilizasse institucionalmente este objetivo. Como já coordeno um grupo de pesquisa em música na Universidade Federal do Piauí, o NUPEMUS, poderia utilizá-lo como base de apoio a este projeto através de uma parceria interinstitucional.
Como diretriz resolvemos trabalhar neste primeiro momento composições exclusivamente de autores brasileiros e de feitio orquestral e coral. Esta tomada de decisão justifica-se pelo interesse mais emergente de obras de maior porte voltadas para a produção musical nordestina. Entretanto, constatamos um repertório significativo dos chamados grandes mestres do passado musical. Compositores dos períodos barroco, clássico e romântico estão presentes no arquivo acredito pelo importante papel de educador musical que o Padre Jaime exercia e com certeza estes documentos foram guardados com o mesmo zelo e apreço que dedicava ao material autóctone.
Os resultados começam a aparecer. Nos primeiros dias trabalhamos a letra “A” do catálogo, organizando algumas missas, partes de missas, um Te Deum, um Tantum Ergo, um Gloria de Damião Barbosa de Araújo e uma Ladainha, algumas reproduções de transcrições de Curt Lange e diversas obras de autor desconhecido, todas elas para solistas, coro e orquestra. Algumas destas obras possuíam partes incompletas em que os fólios foram armazenados em pastas de outras obras. Com muita calma e paciência remontamos o quebra-cabeça musical conseguindo dar unidade musicológica às obras. Cada pasta possui agora uma nova catalogação anexa: uma ficha de informações musicológicas, com dados sobre a instrumentação das peças, datas, autor, copista, que venha a facilitar e enriquecer a consulta.
Alguns manuscritos, pela situação de risco em que se encontram (fragilidade do papel, a queima da tinta pelo armazenamento sobreposto dos fólios dentre outros problemas), serão digitalizados possibilitando um manuseio sem intervenção no original.
Portanto, é um trabalho que ao iniciar já se prenuncia proveitoso. Mais um acervo que pode possibilitar a recuperação de uma parte de nossa memória musical: um legado para a musicologia histórica de Pernambuco e do Brasil.

Sítio Lagoinha, município de Paulista, PB, 18 de fevereiro de 2010

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Instituto Ricardo Brennand organiza Acervo Pe. Jaime Diniz

De passagem pelo Recife fui fazer uma visita ao Instituto Ricardo Brennand, um museu com um rico acervo de peças medievais e renascentistas, de arte sacra e de uma importante coleção de obras do pintor neerlandês Franz Post (1612-1680). O museu foi montado em um castelo de estilo medieval encravado no velho bairro da Várzea, antigo Engenho de São João da Várzea, cuja origem remonta aos engenhos de açúcar que em abundância se multiplicaram nesta região.
Eu tinha uma ligeira informação de que o Instituto tinha adquirido o acervo musicológico do professor, musicólogo e regente pernambucano Padre Jaime Cavalcante Diniz (1924-1989), um precursor da musicologia do Nordeste brasileiro e meu querido professor de História da Música e Canto Coral na Universidade Federal de Pernambuco. Padre Jaime, como o chamávamos, foi o responsável direto por despertar meu interesse pela musicologia desde o momento em que preparávamos junto ao Coro Guararapes do Recife, o Memento Baiano do compositor baiano Damião Barbosa de Araújo (Ilha de Itaparica, BA, 1778-1856) e uma Missa do compositor maranhense Francisco Libânio Colás (São Luís, 1830-Recife, 1885) para uma apresentação no Teatro Santa Isabel com a Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Com certeza fui tocado pela bela música destes mestres e com certeza esses dois episódios foram decisivos em minha trajetória de dedicação à musicologia histórica brasileira. E isso se deve muito ao Padre Jaime com sua insistência pelo desenvolvimento da pesquisa musical nesta região, algo que ele comentava com certa acidez: “Vivo distante do sul maravilha (e faço muito bem), onde os do norte não têm vez, a não ser que seja gênio, ou se faça de”. (carta a Antônio Bispo).
Posteriormente o reencontrei, em 1988, no Encontro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. Tivemos uma longa conversa ladeada pelo também eminente e saudoso musicólogo José Maria Neves, meu orientador no mestrado e examinador em minha qualificação de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O certo é o que os dois se encontram hoje distantes de nós, mas bem próximos através das muitas tarefas musicológicas que realizaram e algumas que, inadvertidamente, deixaram para que nós a continuássemos. É o ciclo da vida.
Mas voltemos ao Instituto Brennand e o Acervo Padre Jaime C. Diniz. Como afirmei anteriormente, tinha vagas informações acerca deste acervo e uma delas alertava para a impossibilidade de consulta, tendo em vista que este monumento musicológico passaria a ter um destino mais museológico. Como sou desconfiado por natureza, resolvi colher informações. Para minha grata surpresa, ao confessar que tinha sido aluno do Padre Jaime minha intromissão não só foi autorizada pela Coordenadora da Biblioteca, Sra. Aruza Holanda e a bibliotecária Eglantine, como passei duas longas horas conversando sobre o Padre Jaime e manuseando as fichas catalográficas do acervo. Aliás, ressalte-se a qualidade e correção da biblioteca de obras raras do Instituto, que além das condições adequadas de armazenamento e da beleza do lugar, nos transporta através do tempo nos fazendo sentir em um verdadeiro scriptorium: a sala de cópia dos mosteiros medievais.
Na verdade, nos dedicamos mais detalhadamente ao exame de uma obra que logo despertou minha atenção: o Te Deum do Espírito Santo, para três vozes masculinas e orquestra, do velho compositor tão querido do Padre Jaime, Francisco Libânio Colás. Trata-se de um manuscrito em boas condições de preservação e que a um primeiro exame, parece ser autógrafo. Se pudermos comprovar isso em um futuro próximo, teremos neste acervo a única obra autógrafa de Libânio Colás até então encontrada. O curioso é que desconheço qualquer citação do Padre Jaime a esta obra, sobretudo quando ele sempre deixou transparecer uma franca admiração por este compositor, que pode ser dimensionada por sua infatigável busca pela Missa Pernambuco e sua edição da Marcha Fúnebre pelo Coro Guararapes, acompanhada de um esboço biográfico do compositor.
O Te Deum do Espírito Santo é escrito para três vozes masculinas (1º. e 2º. Tenores e baixo) e orquestra (ottavino, flauta, clarinetas, pistons, trompas, 1º., 2º. e 3º. Trombones, oficleide, 1os. e 2os. violinos, violas, violoncelos e contrabaixos).
Portanto, o Acervo Padre Jaime Diniz, através do Instituto Ricardo Brennand encontra-se em fase de organização para possibilitar a consulta aos pesquisadores interessados em mais um conjunto musicológico importante para a memória musical brasileira.

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

Recife, 07 de fevereiro de 2010