sábado, 23 de outubro de 2010

Concerto e Lançamento de Livros

A Orquestra da Universidade Federal do Piauí, sob a regência de Cássio Henrique Martins e preparação vocal de Deborah Moraes apresenta a comédia musical Véspera de Reis e o Glória da Missa No. 1 do compositor maranhense Francisco Libânio Colás (São Luís, 1830-Recife, 1885).
A apresentação destas obras faz parte das atividades do Núcleo de Pesquisa em Música (NUPEMUS), do Departamento de Música e Artes Visuais da Universidade Federal do Piauí, sob minha coordenação, e tendo como apoio o MCT/CNPq através do Edital Universal. Este núcleo de estudos propõe-se, em uma de suas linhas de pesquisa, o exame dos processos de criação musical a partir de um levantamento em acervos e coleções musicológicas, buscando sempre a revitalização de obras enquanto patrimônio cultural brasileiro.
O interesse por esta pesquisa foi motivado pela localização da obra Vésperas de Reis na Lapinha, representada pela primeira vez no Teatro São João da Bahia, em 15 de julho de 1875. Trata-se de uma comédia musical em um ato sobre texto do dramaturgo maranhense Arthur Azevedo, com a partitura musical composta por Libânio Colás. O manuscrito que tomei por base para a realização da edição musical é uma fotocópia existente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Música, datado de 1882, pertencente a P. da Silveira, cujo original até este momento não foi localizado.
Francisco Libânio Colás foi compositor, regente, violinista, trompetista, flautista e arranjador, nascido em São Luís do Maranhão, provavelmente no ano de 1830. Filho do empresário teatral, clarinetista e mestre de capela Francisco Antônio Colás, conhecido como Chico da Música, e de Jerônima Maria Colás. Teve como irmãos, também músicos, o “exímio trompetista” Carlos Antônio Colás, e o flautista e clarinetista Ezequiel Antônio Colás.
Em 1847, ainda na juventude, atuava em São Luís como profissional do “Cornet à piston” e como rabequista requisitado entre os profissionais da capital maranhense. João Mohana (1995) faz referência a este período como de grande atividade da família Colás na capital maranhense. Posteriormente, mudou-se para Recife, onde passou a atuar como regente do Clube Carlos Gomes e violinista de um conjunto de câmara, além de compositor de música para o teatro e música religiosa.
A Vésperas de Reis é uma comédia de costumes posta em música, ou teatro musicado, com o texto de autoria do teatrólogo maranhense Artur Azevedo, composta no ano de 1875 e escrita para solistas e orquestra, estruturada em um ato e seis cenas contrastantes e será apresentada com a montagem cênica completa (texto teatral, cenários e orquestração).
O manuscrito da Missa No. 1 está depositado no Acervo Jaime Diniz do Instituto Brennand do Recife e junto a ele, uma edição parcialmente realizada por Jaime Diniz em 1976. Realizei a reconstituição da obra tendo como base a edição original de Jaime Diniz, projeto editorial que tomei como ponto de partida para uma edição atualizada, e que será apresentada parcialmente neste concerto.
O concerto será realizado no dia 25 de novembro de 2010 às 19 horas no Cine Teatro da UFPI e na oportunidade serão lançados os livros que refletem esta pesquisa: “Músicas e Músicos em São Luís: subsídios para uma história da música no Maranhão” e “Texto e Contexto: a comédia musical Véspera de Reis de Francisco Libânio Colás”.

Vivenda Marathaoan, BR-343, Km 12
Povoado Lagoinha
Teresina - Piauí

Professor Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Eu canto em qualquer lugar”. O Pagode de Amarante - Parte IV

O Pagode: a herança africana.

“Foi no começo do mundo.
Dança velha dos velhos antigos.
Não tinha esse negócio de agarrado não.
Tudo era Pagode”.

Tudo leva a crer que as danças e batuques tenham entrado no Piauí com os primeiros escravos trazidos pelos criadores para o trabalho em suas fazendas de gado. José Ramos Tinhorão, ao pesquisar o lundu - dança de origem negra - e sem citar especificamente o Piauí, faz uma referência à penetração desta dança pelo interior da Bahia, curiosamente, pela mesma rota utilizada pelos fazendeiros baianos quando da posse de terras e da implantação dos currais de gado no solo piauiense:

“... ao penetrar pelo interior da Bahia, (o lundu) seguindo o rio São Francisco na direção norte, lá chegou com o nome de baiano, transformado em baiana no Ceará, na segunda metade do século XIX” (TINHORÃO, 1988, p.62).

Câmara Cascudo também refere-se a esta dança como:

“Baiano ou baião. Dança sapateada, em que os personagens davam castanholas do começo ao fim... em vez da embigada atira-se com os dedos um estalo de castanholas na direção da pessoa escolhida” (CASCUDO, s.d., p.128).

É interessante observar que, semelhantemente ao baiano descrito por Câmara Cascudo, o Pagode em sua expressão coreográfica utiliza uma espécie de castanholas, denominada na região de gafanhoto, executada pelos dançarinos no momento da coreografia, que contribuem para pulsação rítmica e induzem a escolha ou recusa dos parceiros na dança.
Acreditamos que o Pagode (como diversas danças afro-brasileiras) teria se originado de velhas danças e batuques dos terreiros negro-brasileiros, que foram se modificando, incorporando novos elementos de acordo com as características regionais. Havia nomes genéricos capazes de caracterizar essas danças negras, como batuque, samba, lundu. A esse respeito, Muniz Sodré comenta:

“A rigor, todas essas danças faziam derivar a sua organização formal (incorporando, evidentemente, os elementos específicos de cada região) do samba ou batuque africano, trazido para o Brasil por escravos originários de Angola e Congo, principalmente” (SODRÉ, 1979, p.26).

Tinhorão, também, é da mesma opinião quando afirma que:

“...os batuques herdeiros das rodas de danças africanas originaram ainda uma série de danças que ficariam como expressões quase exclusivas de negros e mestiços do campo e das cidades do Brasil” (TINHORÃO, 1988, p.69).

Também, Édison Carneiro afirma que:

“... a presença das danças africanas no Brasil já supõe um demorado processo de aclimação, com a perda de alguns elementos e aquisição de outros, novos, sugeridos ou impostos pelo ambiente”. “Mudando de terra (da África para o Brasil) e de grupo social (dos escravos para a população em geral)...estas danças sofreram uma evolução desigual no país” (CARNEIRO, 1982, p.45).

Portanto, todo esse patrimônio cultural afro-descendente (festas, danças, e todo o complexo mítico-religioso) na tentativa de preservar uma memória cultural africana, iria manifestar-se em locais próprios, reconquistados, reterritorializados, os terreiros, em sua dupla dimensão: a dimensão religiosa, com as casas de candomblé, diretamente ligadas à cosmogonia africana; e a dimensão simbólica, o campo das dramatizações e festas nos espaços abertos ao lado das casas. Essa concepção de terreiro está voltada para o lugar de entrecruzamento de culturas distintas (negras, brancas, indígenas) e a incorporação de novos elementos que iriam favorecer as transformações culturais.
Como, então, conceituar o Pagode de Amarante? Primeiro, queremos fazer algumas considerações.
O Pagode de Amarante difere do pagode cantado e dançado na cidade do Rio de Janeiro, fenômeno cultural de massa explodiu, principalmente, no mercado do disco e da televisão na década de 80, estando atualmente em processo de revitalização pelo “mercado cultural”. Neste estudo não pretendemos traçar nenhum paralelo entre estas duas manifestações, apesar de reconhecermos nas formas e origem de ambas, a persistência de elementos característicos comuns: a utilização predominante de instrumentos de percussão; o recurso da improvisação, tanto do canto, como da coreografia na dança; a irreverência e a liberdade na construção temática das letras e, também, a prática no terreiro, o lugar aberto em frente às moradias. Também reconhecemos que ambas são sínteses culturais de origem processadas no seio de comunidades negras, com o “pagode carioca”, surgindo e se estruturando das rodas de samba e de partido-alto dos “redutos negros” do Rio de Janeiro. Comparativamente, os bairros da Saúde, Cidade Nova e Praça Onze estão para o samba e o pagode, assim como o vale dos rios Canindé e Mulato para o Pagode de Amarante: o lugar da aglutinação e da reordenação dos afro-descendentes oriundos do processo abolicionista.
Diversos pesquisadores da cultura popular brasileira fizeram referência ao termo pagode, alguns, como forma estruturalmente definida, outros, como significações genéricas de certas manifestações populares. Câmara Cascudo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro refere-se a pagode como: “Festa, reunião festiva e ruidosa, festa com comidas e bebidas, havendo ou não danças, festa sempre de caráter íntimo, comparecendo amigos, pagodeiros” (CASCUDO, s.d., p.659).
Cascudo conceitua genericamente o termo pagode, significando festa, reunião festiva bastante comum na área nordestina. Para Oneyda Alvarenga, samba e batuque tornaram-se designações genéricas de danças de rodas “acompanhadas por forte instrumental de percussão”. O termo samba teve o seu sentido ainda mais abrangente, “representando qualquer baile popular, equivalente a "função", "pagode", "forró", e outros mais”.
A propósito, Alvarenga (1982, p.152) acata a concepção de Cascudo, alargando mais o sentido do termo pagode, relacionando-o com samba, forró, etc. Ressalte-se que na região que pesquisamos, os termos forró, pagode e função possuem sentidos diferentes, como por exemplo, o forró sendo festa de ambiente privado, mesmo que numa pequena cobertura de palha denominada "latada". Função está mais relacionada ao desafio de violeiros, à disputa em versos previamente combinada, promovida e organizada por algum morador do bairro ou povoado rural. Pagode está sempre relacionado a festa ao ar livre, no terreiro. A diferenciação também passa pelas características intrínsecas das festividades - tipo de música, instrumentos musicais utilizados, dança, etc.
Em Folguedos Tradicionais, Édison Carneiro (1982) aproxima pagode ao samba, ao coco e ao partido-alto, demonstrando preferência pelo termo samba ou batuque (queremos crer, como samba herdeiro do batuque) para a designação mais genérica.
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“Em toda esta vasta área (zona de plantio e mineração), angolenses e congueses legaram aos seus descendentes, formas de batuque ainda reconhecíveis, apesar de já misturadas com outras danças, populares ou não - formas que, primitivamente rurais, de execução nos terreiros das fazendas, estão atualmente em diferentes estágios de urbanização”.

É esse autor que vai propor três áreas distintas de classificação do samba, divididas de acordo com as denominações regionais, estando o Piauí incluído na zona do samba por influência do vizinho Maranhão.
Essa classificação de Carneiro reforça a hipótese do Pagode de Amarante ter vindo do Maranhão através do rio Parnaíba, penetrando na região piauiense e a partir daí, se alastrando pelo vale dos rios Canindé e Mulato, iniciando o processo de síntese e expansão cultural.
Alceu Maynard (1964, p.389-390) já falava de uma Roda-de-Pagode na região do Baixo-São Francisco:

“Atividade lúdica de adultos do Baixo-São Francisco por ocasião das festas de plenitude ou principalmente na pequena vacância agrícola de inverno [...] Ali todos cantam e a roda-de-pagode alagoana põe no corpo da gente uma vontade insopitável de dançar, bailar. Ela congraça os membros adultos da comunidade, caem as barreiras sociais, pobres e ricos, moradores das casas de tijolos e das choupanas de palha, de mãos dadas, alguns cantam ...”

Portanto, seguindo os estudos dos etnógrafos citados, chegamos à conclusão de que o termo pagode é bem genérico, sendo aplicado a diversas manifestações e cultuado em grande área brasileira, representando sempre uma festa popular com suas diferenças marcadas pela própria heterogeneidade regional, bem como pelos contatos com diferentes formas da cultura popular.

sábado, 29 de maio de 2010

O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte III

O “Negro do Mulato” ou o “Negro do Mimbó”. A redefinição dos espaços sócio-culturais

A ocorrência de comunidades quilombolas marca significativamente a região que pesquisamos. Locais como o Mimbó, o Canto dos Pretos, o Côco - demonstram a existência ou vestígios de núcleos populacionais negros, com um modus vivendi conservado ao longo do tempo. O já bastante difundido Mimbó, uma comunidade afro-descendente nas margens do rio Canindé, junto à foz do riacho Mimbó, no município de Amarante, já existia como núcleo de povoação estruturalmente no último decênio do século XIX, organizado em um complexo sistema de relações de parentesco em torno de dois clãs familiares, desenvolvendo uma produção agrícola singular baseada no cultivo de "vazantes" ribeirinhas e na criação de animais de pequeno porte.
Um fato que também marca o Mimbó é o seu importante ciclo de festas, atraindo as populações vizinhas. A forma religiosa tradicional é o “terekô”, diretamente ligado à ancestralidade cultural das práticas religiosas dos escravos africanos. O Pagode também está presente no Mimbó, onde é amplamente praticado, atuando como promovedor dos contatos dos mimboenses com a sociedade urbana de Amarante e cidades vizinhas. Estas expressões culturais, tanto a de cunho religioso como o Pagode, acabaram por favorecer esta proximidade, rompendo certas barreiras erguidas historicamente e ampliando as formas de relacionamento entre as diferentes camadas do corpo social.
Segundo Roger Bastide (1974), o surgimento de comunidades afro-descendentes no meio rural pode ser analisado sob alguns aspectos: “o que o volta para o seu passado perdido para fazer reviver, e o de sua necessária adaptação a um novo meio”. Parece óbvio que a única saída para a sobrevivência do homem negro foi isolar-se, inicialmente nos quilombos, para depois iniciar o processo de constituição de comunidades rurais, onde, através de atividades econômicas e sociais fosse reativando suas práticas culturais dispersas. Esse ambiente favoreceu a retomada desse patrimônio cultural ancestral e a sobrevivência como indivíduo ou grupo social. Mesmo com a dispersão pós-abolicionista foram desenvolvidas maneiras ou estratégias de identificar uma origem comum centrada nos valores, normas, práticas culturais comuns, tais como, organização social, religiosa, econômica e artística, iniciando um processo de reconstrução de uma identidade “física”, ligada aos aspectos da terra - o rio, a serra, etc. - constituindo, assim, uma nova entidade cultural e espiritual.
O desenvolvimento dessas formas paralelas de organização, os espaços quilombolas, foi uma forma alternativa de sobrevivência para o afro-descendente. Para Alfredo Bosi,

“A alternativa para o escravo não era, em princípio, a passagem para um regime assalariado, mas a fuga para os quilombos. Lei, trabalho e opressão são correlatos sob o escravismo colonial. Nos casos de alforria, que se tornam menos raros a partir do apogeu das minas, a alternativa para o escravo passou a ser ou a mera vida de subsistência como posseiro em sítios marginais, ou a condição subalterna de agregado que subsistiu ainda depois da abolição do cativeiro. De qualquer modo, ser negro livre era sempre sinônimo de dependência” (BOSI, 1992).

Essas comunidades típicas da zona rural permaneciam “fechadas” apenas em um modelo e uma prática alternativa da sociedade dominante. Existiam as interações, os contatos, principalmente, na comercialização dos produtos nos dias de "feira" e nos momentos de festa, onde a praça principal da cidade era, sem dúvida, o campo intermediador dessas diferenças. Nela, ou próximo a ela, ocorreriam as produções tanto a nível simbólico, quanto a nível material; as negociações, os acertos e, também, os confrontos. Portanto, o conceito “fechado” não convém traduzir-se por algo isolado, impenetrável. Esses núcleos possuem essa característica mais como um meio de defesa de um território conquistado, como estratégia de resistência frente a uma postura segregacionista - que positivava a separação sociocultural - adquirida historicamente pela população urbana com relação à população negra.
O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte II

Conquistando Espaços. A Formação dos Estratos Étnicos

A imigração para o Piauí teve como principal região fornecedora, em um primeiro momento, a zona produtora de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro. Esse movimento migratório foi causado, em parte, pela desvalorização do açúcar brasileiro como fonte exportadora no mercado internacional, ocasionada pelo crescimento e concorrência da produção antilhana. O desaquecimento da economia açucareira do litoral brasileiro, no século XVIII, recrudesceu o fluxo migratório para o interior em busca de novas alternativas de trabalho (MOTT,1985). Essas correntes migratórias foram atraídas para os "sertões de dentro" pelo crescente desenvolvimento da economia do gado, instalando-se na nova região e adequando-se ao novo modo de produção econômica.
Para a historiadora Tanya Brandão (1995), o “emprego do escravo no criatório piauiense ocorreu desde a implantação dos primeiros currais”, cuja função destinava-se à construção e manutenção da infra-estrutura das moradias, o lida no campo e o cultivo das roças.
Outro fator que iria favorecer a imigração para o Piauí seria a necessidade de mão-de-obra, dificultada pela resistência indígena à escravidão. É a partir daí que os novos fazendeiros piauienses iniciam, via Bahia, uma substancial introdução do negro africano nas fazendas estaduais (DIAS, 1996). Seriam, portanto, as últimas décadas do século XVII e as primeiras do século XVIII, que marcarão o início da imigração para o Piauí com pedidos de doação de terras, favorecendo, principalmente, as famílias baianas e maranhenses, oriundas de antigas zonas agrárias (MOTT,1985).
Estes primeiros colonizadores implantarão no solo piauiense o sistema de produção baseado na pecuária extensiva, ou seja, a criação de gado livre em extensos latifúndios que se tornaria a marca da economia regional. São esses núcleos produtivos que irão dar origem às primeiras povoações e atuais cidades, grande parte delas originadas de antigas fazendas, o que de certa forma demonstra, estruturalmente, a característica da formação social e econômica do Piauí: de um lado, os grandes proprietários de terra que constituem hoje as oligarquias estaduais; e do outro lado, a massa da população constituída de pequenos sitiantes, vaqueiros, escravos, índios, representando o grupo social dominado (DIAS, 1996).
Nestas fazendas de gado existiam dois tipos de mão-de-obra: o escravo, na grande maioria, africano, que a historiografia tradicional procura desvalorizar sua relação com a pecuária, preferindo associá-lo ao trabalho doméstico não produtivo; uma pequena parte índio; e o trabalhador livre - grupo formado por mulatos, caboclos, mestiços e índios (que, por sua vez, podiam ser escravos) (DIAS, 1996).
Alguns dados demográficos das fazendas piauienses demonstram que o trabalho escravo foi amplamente empregado nesta região. Um estudo realizado pela historiadora Claudete Miranda Dias (1996) afirma que, nos finais do século XVII, os escravos constituíam 70% da população total das fazendas. Também o historiador Luiz Mott (1985), referindo-se à população escrava do Piauí, afirma que: “Em 1762, constatamos que os escravos representavam 45,8% da população rural, estando presentes em 67,8% dos domicílios”. Numa comparação estatística com a população escrava do Brasil, nos finais do século XVIII eles “representavam aproximadamente 38,6% da população total do Império”, onde se conclui que a economia pecuarista do Piauí dependeu fundamentalmente do trabalho escravo, seja negro ou mestiço.
Os primeiros grupos de escravos chegados ao Piauí foram trazidos, no final do século XVII, pelos primeiros fazendeiros que vinham da região do rio São Francisco, com seus rebanhos. Mais tarde, foram introduzidos em maior número para o fornecimento de mão-de-obra às "Fazendas Nacionais", de propriedade de Domingos Afonso Sertão e também às fazendas dos Garcia D'Ávila, proprietários da "Casa da Torre", da Bahia (CHAVES, 1971).
Outros escravos foram introduzidos no Piauí pela estrada que ligava a capital da Província - Vila do Mocha, hoje Oeiras - ao principal núcleo mercantil consumidor da pecuária piauiense, a feira de Capoame, na Bahia.
Uma historiadora detalha a origem dos negros do Piauí Colonial:

“... entre os africanos, tantos bantos como sudaneses foram trazidos para o Piauí. Relativamente às nações de origem, predominavam os procedentes de Angola, 56,68%, seguidos pelos Minas, 13,17%, Benguelas, com 9,57%, Guiné, 9,36%, Congos, 9,36% e Gêge, 2,43%. Havia ainda entre os Moçambiques, Rebolos e Cassangues, com um percentual de 0,97% cada. Evidentemente, foram computados apenas os indivíduos para os quais constou explicitamente a nação de origem” (BRANDÃO, 1984).

Deve-se levar em consideração, também, a diversidade cultural e étnica das populações africanas que vieram para o Brasil, decorrente da divisão geopolítica da África realizada sob a lógica dos colonizadores, com reflexos ainda hoje no continente africano. É evidente que estes problemas refletiram substancialmente na escravidão no Brasil - Colônia.
A Abolição da Escravatura irá ocasionar uma mudança no quadro social e econômico brasileiro. Liberto o cativo, alguns deixaram o meio rural buscando um novo contato com a cidade, convertendo-se em mão-de-obra disponível; outros, permaneceram “flutuando entre o campo e a cidade” sem conseguir uma imediata adequação à nova situação. Outros mais, permaneceram no campo, caracterizando-se pela dificuldade de vida auto-suficiente no meio rural - dificuldades de condições materiais, a falta de títulos de propriedade e de incentivos agrícolas. Estes problemas impulsionaram o movimento em direção ao núcleo urbano, ainda em processo inicial de industrialização, que não conseguiu absorver esse excedente de mão-de-obra, excluindo os afro-descendentes das instituições urbanas e provocando uma segregação socioeconômica. Alijado do florescente mercado urbano, a alternativa foi sobreviver em atividades consideradas “inferiores” e até “marginais” neste novo quadro social. Segregação, também, cultural, na qual os costumes, as tradições, os padrões de comportamentos, bem como a religião dos afro-descendentes, foram considerados como manifestações da “cultura primitiva”, da barbárie, sendo, portanto, inferiores aos valores da sociedade branca.
Esta segregação social, econômica e cultural irá refletir na organização dos espaços sociais brasileiros. O negro, oriundo da escravidão, para o discurso dominante, o afro-descendente será um “empecilho ideológico à modernização” (SODRÉ,1988), ao controle higiênico e saneamento urbano, devendo ser afastado do “território civilizado”. A estratégia foi a criação de espaços fora do controle das classes dirigentes, onde práticas comunitárias e alternativas puderam ser desenvolvidas. Nas grandes cidades brasileiras irão surgir os “morros” e “favelas” e os bairros de periferia; nas pequenas cidades do interior, surgirão os povoados e comunidades rurais.
O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte I

Prof. Dr. João Berchmans Carvalho

Introdução

Este estudo é sobre uma forma de expressão cultural, um fenômeno de criação musical, prática instrumental, canto e dança, denominado na região do Médio-Parnaíba piauiense de pagode. Realizado pela população afro-descendente como forma de cultura negro-brasileira, o pagode é importante como patrimônio da cultura piauiense e como via de afirmação étnica e cultural dessa parcela da população social e economicamente marginalizada.
O termo pagode é aplicado a diversas manifestações da cultura popular brasileira, mais especificamente às formas de batuque e samba presentes nas reuniões festivas onde é predominante a utilização de conjunto instrumental de percussão. Está intimamente ligado à prática musical das populações afro-descendentes, sobretudo dos morros e favelas do Estado do Rio de Janeiro, onde, historicamente, aglutinaram-se em comunidades os remanescentes do processo abolicionista, marginalizados do contexto urbano-industrial no início do século XX (SODRÉ,1979; 1988;MOURA, 1983; TINHORÃO,1988; PRIORE, 1994).
Especificamente com relação ao Piauí, o pagode representa uma forma de batuque com danças e cantos, inserido e mais significativamente presente na região que compreende os vales dos rios Canindé e Mulato e suas confluências com o rio Parnaíba. Nesses espaços - “em locais denominados de terreiros” - é que se faz a festa do pagode, um patrimônio cultural - patrimônio aqui compreendido como resgate de uma memória coletiva, de uma ordem cultural comum a um grupo - revivido na força dos tambores “surrados” à mão, na presença sensual da rítmica sincopada expressa nos meneios e nos roçados dos corpos na dança, nos cantos “tirados” de improviso, afirmando-se como território de transmissão e preservação de uma forma cultural ancestral.
Através de um levantamento bibliográfico no campo da etnografia musical brasileira, constatamos que diversos autores fazem referências ao pagode, a maioria deles, atribuindo-lhe significações genéricas, associando-o a manifestações festivas populares (ALVARENGA, 1982; CARNEIRO, 1982; MAYNARD, 1964). Uns, relacionam o pagode à festa ou reunião festiva de caráter íntimo; outros, o designam como um dos tipos de danças de roda “acompanhadas de forte instrumental de percussão”, e ainda outros, aproximam-no do samba, do coco e do partido-alto, sendo forma herdada dos batuques realizados pelos escravos originários de Angola e do Congo e praticados nos terreiros das fazendas coloniais, estando atualmente em processo de urbanização.
Acreditamos, então, que o estudo dessa manifestação possa ser útil para nos clarificar sobre as formas culturais ainda existentes como remanescentes de um passado marginalizado, fornecendo elementos para a compreensão da cultura afro-descendente no geral e de uma parcela das formas de expressão piauienses, em particular.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Acervo Padre Jaime Diniz: início de um trabalho de reestruturação músicológica.

O convite da Coordenadora da Biblioteca de Obras Raras do Instituto Ricardo Brennand para uma consultoria musicológica ao Acervo Padre Jaime Diniz, além de me tocar de maneira afetiva, pois me fez reviver velhas lembranças do mestre amigo, colocou-me a oportunidade de discutir com a equipe do IRB aquilo que eu considero de mais fundamental em um arquivo desta natureza: a possibilidade de colocar à disposição de estudiosos de música, um conjunto de informações sobre a prática musical de um período e de uma região como testemunho de um momento cultural e histórico.
Ao iniciamos o exame do catálogo de manuscritos do musicólogo Jaime Diniz partimos com a idéia de subsidiarmos informações complementares à catalogação realizada pela equipe do Instituto Ricardo Brennand. Estas informações são pertinentes às exigências da pesquisa musicológica, tais como, época, gênero, contexto cultural, caracterização das partes instrumentais, dentre outras. Evidentemente que se trata de um trabalho que extrapola a minha rápida passagem pelo velho Recife. Entretanto, aceitei o desafio de iniciarmos um exame preliminar do material para, posteriormente, montarmos um projeto que viabilizasse institucionalmente este objetivo. Como já coordeno um grupo de pesquisa em música na Universidade Federal do Piauí, o NUPEMUS, poderia utilizá-lo como base de apoio a este projeto através de uma parceria interinstitucional.
Como diretriz resolvemos trabalhar neste primeiro momento composições exclusivamente de autores brasileiros e de feitio orquestral e coral. Esta tomada de decisão justifica-se pelo interesse mais emergente de obras de maior porte voltadas para a produção musical nordestina. Entretanto, constatamos um repertório significativo dos chamados grandes mestres do passado musical. Compositores dos períodos barroco, clássico e romântico estão presentes no arquivo acredito pelo importante papel de educador musical que o Padre Jaime exercia e com certeza estes documentos foram guardados com o mesmo zelo e apreço que dedicava ao material autóctone.
Os resultados começam a aparecer. Nos primeiros dias trabalhamos a letra “A” do catálogo, organizando algumas missas, partes de missas, um Te Deum, um Tantum Ergo, um Gloria de Damião Barbosa de Araújo e uma Ladainha, algumas reproduções de transcrições de Curt Lange e diversas obras de autor desconhecido, todas elas para solistas, coro e orquestra. Algumas destas obras possuíam partes incompletas em que os fólios foram armazenados em pastas de outras obras. Com muita calma e paciência remontamos o quebra-cabeça musical conseguindo dar unidade musicológica às obras. Cada pasta possui agora uma nova catalogação anexa: uma ficha de informações musicológicas, com dados sobre a instrumentação das peças, datas, autor, copista, que venha a facilitar e enriquecer a consulta.
Alguns manuscritos, pela situação de risco em que se encontram (fragilidade do papel, a queima da tinta pelo armazenamento sobreposto dos fólios dentre outros problemas), serão digitalizados possibilitando um manuseio sem intervenção no original.
Portanto, é um trabalho que ao iniciar já se prenuncia proveitoso. Mais um acervo que pode possibilitar a recuperação de uma parte de nossa memória musical: um legado para a musicologia histórica de Pernambuco e do Brasil.

Sítio Lagoinha, município de Paulista, PB, 18 de fevereiro de 2010

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Instituto Ricardo Brennand organiza Acervo Pe. Jaime Diniz

De passagem pelo Recife fui fazer uma visita ao Instituto Ricardo Brennand, um museu com um rico acervo de peças medievais e renascentistas, de arte sacra e de uma importante coleção de obras do pintor neerlandês Franz Post (1612-1680). O museu foi montado em um castelo de estilo medieval encravado no velho bairro da Várzea, antigo Engenho de São João da Várzea, cuja origem remonta aos engenhos de açúcar que em abundância se multiplicaram nesta região.
Eu tinha uma ligeira informação de que o Instituto tinha adquirido o acervo musicológico do professor, musicólogo e regente pernambucano Padre Jaime Cavalcante Diniz (1924-1989), um precursor da musicologia do Nordeste brasileiro e meu querido professor de História da Música e Canto Coral na Universidade Federal de Pernambuco. Padre Jaime, como o chamávamos, foi o responsável direto por despertar meu interesse pela musicologia desde o momento em que preparávamos junto ao Coro Guararapes do Recife, o Memento Baiano do compositor baiano Damião Barbosa de Araújo (Ilha de Itaparica, BA, 1778-1856) e uma Missa do compositor maranhense Francisco Libânio Colás (São Luís, 1830-Recife, 1885) para uma apresentação no Teatro Santa Isabel com a Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Com certeza fui tocado pela bela música destes mestres e com certeza esses dois episódios foram decisivos em minha trajetória de dedicação à musicologia histórica brasileira. E isso se deve muito ao Padre Jaime com sua insistência pelo desenvolvimento da pesquisa musical nesta região, algo que ele comentava com certa acidez: “Vivo distante do sul maravilha (e faço muito bem), onde os do norte não têm vez, a não ser que seja gênio, ou se faça de”. (carta a Antônio Bispo).
Posteriormente o reencontrei, em 1988, no Encontro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. Tivemos uma longa conversa ladeada pelo também eminente e saudoso musicólogo José Maria Neves, meu orientador no mestrado e examinador em minha qualificação de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O certo é o que os dois se encontram hoje distantes de nós, mas bem próximos através das muitas tarefas musicológicas que realizaram e algumas que, inadvertidamente, deixaram para que nós a continuássemos. É o ciclo da vida.
Mas voltemos ao Instituto Brennand e o Acervo Padre Jaime C. Diniz. Como afirmei anteriormente, tinha vagas informações acerca deste acervo e uma delas alertava para a impossibilidade de consulta, tendo em vista que este monumento musicológico passaria a ter um destino mais museológico. Como sou desconfiado por natureza, resolvi colher informações. Para minha grata surpresa, ao confessar que tinha sido aluno do Padre Jaime minha intromissão não só foi autorizada pela Coordenadora da Biblioteca, Sra. Aruza Holanda e a bibliotecária Eglantine, como passei duas longas horas conversando sobre o Padre Jaime e manuseando as fichas catalográficas do acervo. Aliás, ressalte-se a qualidade e correção da biblioteca de obras raras do Instituto, que além das condições adequadas de armazenamento e da beleza do lugar, nos transporta através do tempo nos fazendo sentir em um verdadeiro scriptorium: a sala de cópia dos mosteiros medievais.
Na verdade, nos dedicamos mais detalhadamente ao exame de uma obra que logo despertou minha atenção: o Te Deum do Espírito Santo, para três vozes masculinas e orquestra, do velho compositor tão querido do Padre Jaime, Francisco Libânio Colás. Trata-se de um manuscrito em boas condições de preservação e que a um primeiro exame, parece ser autógrafo. Se pudermos comprovar isso em um futuro próximo, teremos neste acervo a única obra autógrafa de Libânio Colás até então encontrada. O curioso é que desconheço qualquer citação do Padre Jaime a esta obra, sobretudo quando ele sempre deixou transparecer uma franca admiração por este compositor, que pode ser dimensionada por sua infatigável busca pela Missa Pernambuco e sua edição da Marcha Fúnebre pelo Coro Guararapes, acompanhada de um esboço biográfico do compositor.
O Te Deum do Espírito Santo é escrito para três vozes masculinas (1º. e 2º. Tenores e baixo) e orquestra (ottavino, flauta, clarinetas, pistons, trompas, 1º., 2º. e 3º. Trombones, oficleide, 1os. e 2os. violinos, violas, violoncelos e contrabaixos).
Portanto, o Acervo Padre Jaime Diniz, através do Instituto Ricardo Brennand encontra-se em fase de organização para possibilitar a consulta aos pesquisadores interessados em mais um conjunto musicológico importante para a memória musical brasileira.

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

Recife, 07 de fevereiro de 2010

domingo, 24 de janeiro de 2010

Subsídios para uma História da Música no Maranhão - Introdução (I)

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho
Este texto é uma tentativa de realizar a organização dos dados colhidos durante nossa pesquisa em São Luís do Maranhão, no Rio de Janeiro, em Lisboa e em Évora, sobre a obra religiosa do compositor ludovicense Leocádio dos Reis Rayol (São Luís, 1949 – Rio de Janeiro, 1909), temática de minha tese de doutoramento. Foi a partir desta pesquisa em acervos histórico-musicológicos que fui catalogando diversas informações sobre a vida musical e o estabelecimento de uma prática musical na capital maranhense.
Apesar de deparar-me com uma vasta documentação em relatos, notas e manuscritos musicais que apontam para uma prática musical importante desde os primórdios do estabelecimento da capital maranhense, se faz necessário destacar algumas dificuldades demarcadas pela grande dispersão e condições de consulta da documentação referente ao Maranhão, particularmente no que diz respeito aos séculos XVII, XVIII e primeira metade do XIX.
Entretanto, procuro apresentar aqui elementos que possam, em uma abordagem preliminar, caminhar na construção de uma história da música maranhense, mesmo reconhecendo que a inexistência de material musical transcrito e pesquisa musicológica dificultariam um tratamento mais analítico desta produção. Esta iniciativa, ainda em fase inicial de desenvolvimento, está sendo desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa em Música da UFPI (NUPEMUS), com apoio do Edital Universal MICT/CNPq, com uma das linhas de pesquisa focada tanto nos acervos maranhenses, como nos manuscritos portugueses que consultei e reproduzi por meio digital.
Portanto, o objetivo inicial deste trabalho é despertar o interesse de outros pesquisadores para um fato que considero relevante: a ampliação dos horizontes da musicologia nacional com a inserção de outras áreas de estudo, além das já consagradas por esta área de pesquisa musical.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Canção do Auto-Exílio

Aos amigos Fonseca Neto e Climério Ferreira

Vou embora pra Amarante
Vou lá pra beira do rio
Embalar-me nos remansos
Tremer ns noites de frio
Aconchegar-me na rede
Nos oitões avarandados
Mirar a silhueta da serra
Que descortina d’outro lado

Vou embora pra Amarante
Lá eu serei mais feliz
Ouvirei as cantadeiras
De incelenças e pastoris
Azulejar-me nos beirais
Dos recônditos lusitanos
Nos mirantes outonais
Das chuvas de quando em quando

Vou embora pra Amarante
Das palmeiras e buritis
Deitar cama na varanda
E amar como aprendiz
Sentir o brilho das águas
No verde-azul da chapada
Tanger o pinho e a alma
Nas noites enluaradas

Vou embora pra Amarante
Pros terreiros poeirentos
Pros brejos alagadiços
Pras chuvas, pros pés-de-vento
Ajoelhar-me nas rezas
Dos benditos gonçalinos
Das procissões tortuosas
Da triste música dos sinos

Vou embora pra Amarante
Pro Descanso e Veredinha
Amolengar-me no pagode
Deleitar-me nas modinhas
Acordar com a alvorada
Prelúdios, valsas, dobrados
Com a Lira Amarantina
Trazendo de volta o passado

Vou embora pra Amarante
Pras festanças domingueiras
Pro entardecer sonolento
Vicejar nos dias de feira
Comigo a Graça de Deus
De brancura enevoada
Ao arrepio da bruma
Que desce lá da chapada

Vou embora pra Amarante
Festejar no candomblé
Dos tambores surriados
Dos negros do Canindé
Langorosos, suarentos
Nos roçados do forró
Puxado a mel na garganta
Pelo Augusto do Mimbó

Vou embora pra Amarante
Cobrir-me com o manto da serra
Na sonolência das tardes
De serena e agrária espera
Ao acalanto das águas
Dos mormaços pressageiros
Aqui e acolá o rugido
Dos tristes trovões de janeiro

Vou embora pra Amarante
Pros telhados sinuosos
Para as noites nevoentas
Dos janeiros invernosos
Exilar-me em mim mesmo
A minha vida em degredo
Memória do que sobrou de mim
Das ânsias, dos desesperos

Vou embora pra Amarante
Entardecer nos umbrais
Se minha terra é um céu
Meu poeta, não finjais!
Languidamente deitada
À corrente deslizando
“É um céu sob outro céu
De águas claras soluçando

Arte e Ciência e a Transformação dos Paradigmas

1. O Problema da Pesquisa em Artes


Uma dificuldade inerente a este campo diz respeito a escolha de um método para a pesquisa em artes, o contrário da ciência que tem despertado a atenção e preocupado os pesquisadores desde tempos remotos e tem consolidado ao longo deste caminhar, uma gama de possibilidades de pesquisa.

A partir da constatação da “carência de estudos sobre as questões teóricas da “pesquisa em artes”, seria necessário a busca e confrontação com os métodos e referenciais teóricos elaborados pelos filósofos da ciência. (ZAMBONI,1993).
Para realizar essa aproximação teórica, nos referiremos ao pensador Thomas Kuhn e as idéias que desenvolveu para a ciência a partir do livro A estrutura das revoluções científicas.

Para Kuhn, a ciência vive em torno da sucessão de paradigmas, conjunto de teorias que coexistem entre si e não se contradizem. Esse conjunto teórico e construído na heterogeneidade dos eventos, dos quadros, sucessivos e fragmentados, e não em uma harmonia linear e cronológica dos conhecimentos. Vão ser esses conjuntos de teorias e conceitos que formarão os paradigmas.

Em outro ponto, Kuhn refere-se a situações em que pode ocorrer mudanças de paradigmas, tipificando dois momentos para a ciência: a “ciência normal” e a “revolução científica”. Para este autor, esses dois períodos diferenciam-se mais por questões de magnitude, e “não de diferenciação com relação à criatividade nos processos de produção científica”. Nas “revoluções cientificas” é necessário um impulso criativo maior para o rompimento dos paradigmas. Por outro lado, existem épocas de maior estabilidade, de coerência teórica, a que Kuhn denomina de “ciência normal”, e são esses cientistas os responsáveis pela solução do “quebra-cabeças”. Esse período se caracteriza por uma estabilidade científica e poucas novidades surgem.

O que se costuma referir como a “crise dos paradigmas” parece-me fruto da própria lógica da ciência onde os paradigmas não se sustentam eternamente, e a crise se dá exatamente no tempo em que há um esgotamento e uma necessidade de novos paradigmas.
Segundo Zamboni “Uma pesquisa que aponte um caminho que possa contradizer um paradigma terá, num primeiro momento fortes reações da comunidade científica, que está acostumada a trabalhar e a raciocinar dentro desses moldes”.(p.30).

Isto é perfeitamente visível nas novas teorias explicativas sobre a origem do homem americano formuladas por Niéde Guidon e sua equipe, a partir das descobertas dos sítios arqueológicos na Serra da Capivara, nos municípios de São Raimundo Nonato, Cel. José Dias e João Costa, no semiárido piauiense.

Portanto,“quando surge um novo paradigma, normalmente instala-se um período de extensa atividade, onde começam a aflorar novas descobertas de relevância, a criatividade se faz necessária de forma intensa, pois novas teorias vão se formando...” (Zamboni, p.29-30,) ao que Kuhn destaca imperativamente que rejeitar um paradigma sem apontar o novo caminho é rejeitar a própria ciência.

2. As rupturas científicas e as rupturas no campo artístico.

Para Kuhn, os ciclos paradigmáticos – “o surgimento” e “rupturas” – na ciência guardam semelhanças com o campo das artes. As formas artísticas são desenvolvidas através de um conjunto de idéias que “delimitam a forma de atuação e produção artística” , e são condicionadas aos paradigmas vigentes. Zamboni aproxima o conceito de “arte normal” ao conceito “ciência normal” de Kuhn, para a “produção artística despida da preocupação de promover grandes rupturas”.(p.32).

Na medida do esgotamento normativo de uma escola, movimento ou conjunto de idéias, atinge-se a crise tal qual nos paradigmas científicos. A diferença, segundo o Zamboni, reside no fato de que na ciência os fatos novos “são pertinentes a uma ou várias teorias compatíveis” e procuram “explicar racionalmente” o novo paradigma. Em arte, as rupturas muitas vezes são resultado de uma experiência “interior e individual para a aceitação”.(p.33).

Outros aspectos ainda são abordados Zamboni com base na teoria de Kuhn, dos quais cito alguns:
• Um paradigma, a ser suplantado por outro, não perde a legitimidade da validade científica. Ele apenas cai em desuso.
• Os cientistas que não se enquadram ao novo paradigma ficam à margem da comunidade científica.
• Na teoria científica de Kuhn, a acumulação do conhecimento faz mais sentido dentro de um mesmo paradigma. Quando ocorre uma mudança de paradigma, é rompida a cadeia que o orientava e conduzia. Portanto, a acumulação de conhecimentos (progresso da ciência) se dá dentro dos paradigmas das respectivas correntes de pensamento.
• A acumulação de conhecimento no campo das artes pode ser exemplificada através de técnicas em evolução onde o artista se baseia em “descobertas” de outros para progredir.

Acredito que essa reflexão possa ser bastante útil para entendermos as transformações e/ou rupturas nos princípios estéticos e nas linguagens musicais através da história da música.

3. Referências

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 7.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003

ZAMBONI, Sílvio. “O Paradigma em arte e ciência”. In: Pesquisa em Artes Plásticas. Analice Dutra Pillar et alli. Porto Alegre, Ed. Universidade/UFRGS/ANPAP, 1993, p.29-38.

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

Colegas da UFPI

Colegas da UFPI
Dizia o poeta que devemos saber viver o sabor do nosso tempo... Ao debruçar-me na construção deste texto, quedei-me silencioso por um bom tempo e deixei que as lembranças e recordações assomassem à memória, trazendo lances de minha trajetória acadêmica e política ao longo de três décadas, que reconheço entrelaçada e em boa parte tributária da construção acadêmico-política do coletivo chamado universidade, particularmente, a nossa Universidade Federal do Piauí, que estamos ajudando a construir.
Dessa maneira, o entendimento do papel da universidade que almejo passa pelo sentido gramsciano: um espaço aglutinador das diferenças e dos diferentes, arena de disputas filosófico-políticas, construtora ou desmistificadora de propostas de naturezas diversas que circulam no território educacional. Universidade como espaço de ressonância das questões polêmicas do nosso tempo, atinentes ao campo das idéias e às práticas da sociedade brasileira.
Esta nossa construção política foi marcada pelo surgimento da ADUFPI, no início dos anos 80, com o objetivo de constituir-se em um locus de defesa intransigente da Universidade Pública, dentre outras bandeiras de luta do movimento docente. Caracterizou-se, portanto, como uma instituição que daria fôlego aos embates das idéias que se preconizavam, tornando-se o espaço político de nossas conquistas, na verdade, um fórum de debates em torno da construção da nossa utopia social, política e cultural. Portanto, o papel que a ADUFPI, enquanto Seção Sindical do ANDES, filiado à Central Única dos Trabalhadores, desempenhou ao longo de sua trajetória, foi decisivo, inclusive para, juntamente com diversos outros segmentos da sociedade, alçar ao poder um projeto político de bases populares: o Governo Lula.
Neste momento aproxima-se mais uma disputa política em torno da nossa ADUFPI, e aqui neste documento quero manifestar meu apoio ao colega Mario Ângelo e sua equipe. Primeiro pela própria experiência de Mário no movimento sindical e político; segundo, por acreditar que este grupo pode conduzir a ADUFPI ao exercício de seu real papel: a defesa intransigente da Universidade Pública e de qualidade e o fortalecimento do movimento docente; terceiro, por entender que esta equipe terá autonomia política nos encaminhamentos pertinentes às causas dos docentes.
Estou com a Chapa dos Professores e Professoras
Recife, 18 de janeiro de 2010
Prof. João Berchmans de Carvalho Sobrinho

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Natureza como um dom exemplar de Deus

Acordo cedo num domingo carregado com nuvens cor de chumbo. O aguaceiro anuncia-se. Lembro-me da minha bananeira nanica prenhe de frutos prestes a cair. Tenho que ser rápido e salvá-la da forte cortina d'água que se avizinha. Tudo é pleno quando a natureza manifesta-se. Êxtase de sons, cores e odores...E sempre nos remete à memória de imagens acasaladas que desabrocham como se quiséssemos reviver o já vivido. O saltitar da garrinchinha na varanda da rede ou o recrocitar das galinhas d'angola na mata-pasto ao lado.
Assim como a natureza, nosso corpo também necessita da luz e do calor do sol, da chuva e da brisa, para nos mantermos vivos.
Mas não é só o corpo físico que necessita de cuidados para que prossiga firme. O espírito igualmente precisa da luz divina para manter acesa a chama da esperança. Precisa do calor do afeto, da brisa da amizade, da chuva de bênçãos que vem do alto.
Todavia, é necessário que nos esforcemos para mantermos a fé acima das circunstâncias desagradáveis que nos envolve no cotidiano.
Muitos de nós questionamos quando aparecem as dificuldades, e às vezes nos deixamos levar pelo espírito da descrença que abafa a nossa vontade de buscar a luz, e definhamos dia-a-dia como uma planta mirrada e sem vida.
É preciso que compreendamos e aceitemos os objetivos traçados por Deus para nós.
E para que possamos crescer de acordo com os planos divinos, o Criador coloca à nossa disposição tudo o que necessitamos.
É o amparo da família que nos oferece sustentação e segurança em todas as horas.
É a nossa comunidade religiosa que nos fortalece nos momentos difíceis.
Por essa razão, devemos entender que Deus tem um plano de felicidade para cada um de nós e que, para alcançá-lo, é preciso que busquemos os recursos disponíveis.
É preciso que saibamos aprender com a natureza, este dom que Deus nos deu. Que busquemos sempre a luz, mesmo que as trevas insistam em nos envolver.
É preciso, acima de tudo, buscar o apoio de Deus que é quem realmente nos consola e esclarece, ampara e anima em todas as situações.
Quando as dificuldades e os problemas se fizerem insuportáveis, tentando sufocar-nos a disposição para a luta, lembra-te Dele e busca a luz divina através da oração sincera.
Amém