sábado, 29 de maio de 2010

O Pagode de Amarante: um patrimônio cultural afro-descendente piauiense - Parte I

Prof. Dr. João Berchmans Carvalho

Introdução

Este estudo é sobre uma forma de expressão cultural, um fenômeno de criação musical, prática instrumental, canto e dança, denominado na região do Médio-Parnaíba piauiense de pagode. Realizado pela população afro-descendente como forma de cultura negro-brasileira, o pagode é importante como patrimônio da cultura piauiense e como via de afirmação étnica e cultural dessa parcela da população social e economicamente marginalizada.
O termo pagode é aplicado a diversas manifestações da cultura popular brasileira, mais especificamente às formas de batuque e samba presentes nas reuniões festivas onde é predominante a utilização de conjunto instrumental de percussão. Está intimamente ligado à prática musical das populações afro-descendentes, sobretudo dos morros e favelas do Estado do Rio de Janeiro, onde, historicamente, aglutinaram-se em comunidades os remanescentes do processo abolicionista, marginalizados do contexto urbano-industrial no início do século XX (SODRÉ,1979; 1988;MOURA, 1983; TINHORÃO,1988; PRIORE, 1994).
Especificamente com relação ao Piauí, o pagode representa uma forma de batuque com danças e cantos, inserido e mais significativamente presente na região que compreende os vales dos rios Canindé e Mulato e suas confluências com o rio Parnaíba. Nesses espaços - “em locais denominados de terreiros” - é que se faz a festa do pagode, um patrimônio cultural - patrimônio aqui compreendido como resgate de uma memória coletiva, de uma ordem cultural comum a um grupo - revivido na força dos tambores “surrados” à mão, na presença sensual da rítmica sincopada expressa nos meneios e nos roçados dos corpos na dança, nos cantos “tirados” de improviso, afirmando-se como território de transmissão e preservação de uma forma cultural ancestral.
Através de um levantamento bibliográfico no campo da etnografia musical brasileira, constatamos que diversos autores fazem referências ao pagode, a maioria deles, atribuindo-lhe significações genéricas, associando-o a manifestações festivas populares (ALVARENGA, 1982; CARNEIRO, 1982; MAYNARD, 1964). Uns, relacionam o pagode à festa ou reunião festiva de caráter íntimo; outros, o designam como um dos tipos de danças de roda “acompanhadas de forte instrumental de percussão”, e ainda outros, aproximam-no do samba, do coco e do partido-alto, sendo forma herdada dos batuques realizados pelos escravos originários de Angola e do Congo e praticados nos terreiros das fazendas coloniais, estando atualmente em processo de urbanização.
Acreditamos, então, que o estudo dessa manifestação possa ser útil para nos clarificar sobre as formas culturais ainda existentes como remanescentes de um passado marginalizado, fornecendo elementos para a compreensão da cultura afro-descendente no geral e de uma parcela das formas de expressão piauienses, em particular.

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