sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Canção do Auto-Exílio

Aos amigos Fonseca Neto e Climério Ferreira

Vou embora pra Amarante
Vou lá pra beira do rio
Embalar-me nos remansos
Tremer ns noites de frio
Aconchegar-me na rede
Nos oitões avarandados
Mirar a silhueta da serra
Que descortina d’outro lado

Vou embora pra Amarante
Lá eu serei mais feliz
Ouvirei as cantadeiras
De incelenças e pastoris
Azulejar-me nos beirais
Dos recônditos lusitanos
Nos mirantes outonais
Das chuvas de quando em quando

Vou embora pra Amarante
Das palmeiras e buritis
Deitar cama na varanda
E amar como aprendiz
Sentir o brilho das águas
No verde-azul da chapada
Tanger o pinho e a alma
Nas noites enluaradas

Vou embora pra Amarante
Pros terreiros poeirentos
Pros brejos alagadiços
Pras chuvas, pros pés-de-vento
Ajoelhar-me nas rezas
Dos benditos gonçalinos
Das procissões tortuosas
Da triste música dos sinos

Vou embora pra Amarante
Pro Descanso e Veredinha
Amolengar-me no pagode
Deleitar-me nas modinhas
Acordar com a alvorada
Prelúdios, valsas, dobrados
Com a Lira Amarantina
Trazendo de volta o passado

Vou embora pra Amarante
Pras festanças domingueiras
Pro entardecer sonolento
Vicejar nos dias de feira
Comigo a Graça de Deus
De brancura enevoada
Ao arrepio da bruma
Que desce lá da chapada

Vou embora pra Amarante
Festejar no candomblé
Dos tambores surriados
Dos negros do Canindé
Langorosos, suarentos
Nos roçados do forró
Puxado a mel na garganta
Pelo Augusto do Mimbó

Vou embora pra Amarante
Cobrir-me com o manto da serra
Na sonolência das tardes
De serena e agrária espera
Ao acalanto das águas
Dos mormaços pressageiros
Aqui e acolá o rugido
Dos tristes trovões de janeiro

Vou embora pra Amarante
Pros telhados sinuosos
Para as noites nevoentas
Dos janeiros invernosos
Exilar-me em mim mesmo
A minha vida em degredo
Memória do que sobrou de mim
Das ânsias, dos desesperos

Vou embora pra Amarante
Entardecer nos umbrais
Se minha terra é um céu
Meu poeta, não finjais!
Languidamente deitada
À corrente deslizando
“É um céu sob outro céu
De águas claras soluçando

Nenhum comentário:

Postar um comentário